Especial

Conteúdos Especiais

Os prédios vão deixar São Paulo sem a luz do sol?

Arranha-céus surgindo no horizonte cidade levantam debate sobre riscos do adensamento

Por:Breno Damascena . 17/07/2023 - 7 minutos de leitura

Publicidade

Enquanto São Paulo assiste ao surgimento de prédios cada vez mais altos em regiões antes ocupadas apenas por casas e pequenos edifícios, os pedestres se questionam se a sombra vai dominar as calçadas. As novas regras do Plano Diretor e o movimento de construção acelerada acendem o alerta para uma preocupação: a maior metrópole da América Latina corre o risco de ficar sem a luz do sol?

No início de 2021, o número de apartamentos na cidade ultrapassou o de casas, segundo uma nota técnica publicada pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM). E a altura desses edifícios vem aumentando. De acordo com um estudo realizado pela Brain Inteligência Estratégica, o número de pavimentos por prédio nos 20 bairros com maior área construída da cidade cresceu mais de 133% entre 2013 e 2022. O número de prédios acima de 35 pavimentos, por exemplo, saltou de 7 para 25. 

Fonte: Brain Inteligência Estratégica com base no número médio de pavimentos dos empreendimentos lançados entre 2013-2017 e 2018-2022

“Quando vejo um edifício alto subir ao lado de uma creche ou de uma escola fico preocupada. Pode e deve haver cuidado com áreas que precisam ser protegidas, como parques urbanos e outros espaços públicos, mas a legislação brasileira não se atenta tanto”, afirma a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Denise Duarte. 

No entanto, a falta de exposição à luz do sol não é algo com que o paulistano precise se preocupar. Pelo menos não no momento. É isso que explica o engenheiro civil especialista em geoprocessamento, Celso Paiva. “A cidade é cortada pelo trópico de Capricórnio, ou seja, é o local mais ao sul do planeta onde o Sol consegue atingir o ponto mais alto do céu em algum momento no ano.”

Publicidade

Projeção de incidência da sombra do prédio em bairro comercial às 16h no solstício de inverno, quando é registrado o maior período de sombra da cidade de São Paulo/ Crédito: Celso Paiva

“Isso significa que a disposição e a altura do sol dificilmente será completamente escondida por prédios”, acrescenta Celso. “Diferentemente de Nova York (EUA) e países europeus, São Paulo tem uma área de projeção de sombra sempre ao sul, com a luz solar incidindo do norte. O que a construção de prédios vêm fazendo é diminuir o período de exposição”. 

De acordo com Celso, a projeção é que se o ritmo de construções continuar crescendo, o sol vai aparecer apenas das 10h às 16h para quem vive nessas regiões super adensadas no futuro. “Se você olhar uma imagem de satélite, vê um sombreamento maior no espigão da Paulista, resultado da concentração de prédios na região dos Jardins”, diz. 

Valorização imobiliária 

A incidência da luz solar nos apartamentos também tem o papel de poder impulsionar uma valorização de até 10% em relação a imóveis com pouca iluminação, segundo o Conselho Regional de Corretores de Imóveis de São Paulo (Creci-SP). Um ponto positivo que parece esquecido quando se observa a competição protagonizada por grandes incorporadoras nos bairros mais valorizados da cidade.

Um dos símbolos desse retrato é o Edifício Platina 220, uma torre com 172 metros de altura e 50 pavimentos localizado no Tatuapé, na zona leste. Dono do título de prédio mais alto da cidade, o empreendimento sintetiza de forma hiperbólica a ideia de adensamento populacional, uma das diretrizes centrais defendidas pelo atual e pelo antigo Plano Diretor. 

Publicidade

“O Plano Diretor foi correto na ideia de adensar os eixos servidos por transporte público de massa com apartamentos menores e com o propósito de viabilizar o custo para habitação popular. A questão é a dose. É possível resolver esses problemas com 15 ou 17 pavimentos. Não precisamos de mais do que isso”, afirma Denise. 

Adensamento urbano e estoque construído

No ano de 2020, a Praia Central de Balneário Camboriú (SC) passou por um processo polêmico de alargamento de mais de 40 metros de área de praia. O propósito era driblar a sombra projetada pelos prédios na orla. A região é famosa por abrigar os prédios mais altos da América do Sul. Sete dos 10 mais altos do Brasil estão localizados na cidade, segundo o Council on Tall Buildings and Urban Habitat (CTBUH)

Entre críticas sobre os riscos ambientais da medida e moradores animados com a retomada dos raios solares, a valorização contínua da região justificava o movimento. 

Em São Paulo, a evolução da altura dos prédios é fruto de estímulos para promover o adensamento populacional. “Para evitar a dispersão urbana, coibir a ocupação de áreas de preservação e incentivar o uso do transporte público precisamos de áreas adensadas”, defende Denise. “O problema é que temos um estoque enorme de imóveis construídos que estão vazios, desocupados e subocupados.”

Publicidade

Segundo Denise, o adensamento, na prática, se traduz em desigualdade de oferta. “Em Moema, existem muitos apartamentos grandes e caros em que moram apenas duas pessoas. Já na Brasilândia, moram 10 pessoas numa só casa e não cabe mais ninguém. Adensamento construído e adensamento populacional são coisas diferentes.” 

Não é difícil traduzir essas estimativas em números. De acordo com o último levantamento do IBGE, em 2010, a estimativa de habitantes por km² no Alto de Pinheiros era de 5.600. Na Cidade Tiradentes, o valor salta para 14.100. 

“Edifícios altos não são a única forma de adensamento. Existem diversas morfologias urbanas possíveis, mas o avanço do mercado imobiliário gera conflitos que são difíceis de serem administrados”, salienta Denise. 

BairroMédia de pavimentosVariação
2013-20172018-22
Vila Mariana17183%
Pinheiros162130%
Tatuapé2419-21%
Santo Amaro1919-1%
Água Branca2217-23%
Perdizes131951%
Barra Funda2018-12%
Ipiranga161812%
Vila Andrade19191%
Butantã2321-6%
Brás192530%
Vila Prudente162125%
Vila Olímpia18195%
Brooklin2724-10%
Vila Clementino17182%
Itaim Bibi182221%
Campo Belo141933%
Lapa151712%
Mooca1917-10%
Cambuci1817-9%
Brain Inteligência Estratégica com base no número médio de pavimentos dos empreendimentos lançados entre 2013-2017 e 2018-2022

Adensamento construído

A inevitabilidade e a necessidade do adensamento populacional em uma metrópole como São Paulo resulta em prédios e mais prédios dominando terrenos. Apesar dos arranha-céus serem os protagonistas dessa narrativa, o risco pode estar bem mais embaixo. Especialistas chamam atenção para os problemas causados pelas práticas de adensamento construído.

Publicidade

A adensamento construído se refere aos níveis de ocupação do solo em que essas construções são realizadas. “Trata-se especificamente do espaço construído no terreno em questão. Casas e apartamentos muito próximos um do outro, imóveis sem recuo e que ocupam até a borda do lote, pouco espaço nas calçadas são alguns efeitos visíveis dessa prática”, explica Denise.  

BairroM² ConstruídoMédia de PavimentosVariaçãoM² Construído Total
2013-20172018-2022
Vila Mariana315.301614.84795%930.148
Pinheiros221.316630.270185%851.586
Tatuapé270.760340.15426%610.914
Santo Amaro256.483347.32235%603.805
Água Branca443.620142.348-68%585.968
Perdizes96.050472.771392%568.821
Barra Funda301.242199.717-34%500.959
Ipiranga209.587254.67622%464.263
Vila Andrade153.645310.099102%463.744
Butantã32.182377.0711072%409.253
Brás205.072155.418-24%360.490
Vila Prudente62.571287.171359%349.742
Vila Olímpia185.812154.801-17%340.613
Brooklin79.119256.092224%335.211
Vila Clementino34.258292.734754%326.992
Itaim Bibi90.503222.152145%312.655
Campo Belo76.292235.743209%312.035
Lapa127.837180.00341%307.840
Mooca64.990240.400270%305.390
Cambuci138.641165.22519%303.866
Total3.365.2815.879.0143807%9.244.295
O adensamento construído dos principais bairros de São Paulo subiu 3.807% nos dois períodos apurados/ Fonte: Brain Inteligência Estratégica com base no número médio de pavimentos dos empreendimentos lançados entre 2013-2017 e 2018-2022

Para Luis Fernando Di Pierro, Consultor de Engenharia de Transportes, Urbanismo e Meio Ambiente, o problema se propaga no movimento de derrubar prédios menores para construir outros maiores no lugar. “Quando você muda o coeficiente de aproveitamento de um terreno, está mudando muitos outros condicionantes além da insolação. Há o tráfego, a ventilação, o uso da capacidade instalada de energia, de coleta de esgoto”.

Pierro alerta que um novo prédio mais alto pode impactar a vizinhança. “A questão de sombreamento é importante, mas ela não está sozinha. Quando você constrói um edifício é preciso rebaixar o lençol freático. Isso causa consequências nas estruturas geológicas do terreno.” 

Denise também alerta para esses riscos. “Se tudo é cimentado e construído, a permeabilidade do solo é prejudicada e não existe infiltração de água. A aglomeração de concreto diminui a ventilação e o plantio de árvores. As consequências disso para a drenagem urbana são sérias, com o lugar se tornando desértico.”

Publicidade

Notícias relacionadas

Imagem destacada

Empresas fazem 'retrofit' de escritórios para o novo normal pós-pandemia

2 minutos de leitura
Imagem destacada

Atlantica e Yuny fazem acordo para explorar mercado de locação residencial

1 minuto de leitura
Imagem destacada

Crédito imobiliário cai 9,6% e fica em R$ 16,1 bilhões em setembro

3 minutos de leitura
Imagem destacada

Imóveis maiores e mais afastados continuarão tendência pós pandemia?

8 minutos de leitura