“Maior transformação do mercado imobiliário foi a digitalização”
Presidente da Abrainc, Luiz Antonio N. de França reflete sobre o impacto da pandemia e os avanços do setor no último ano
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Luiz Antonio Nogueira de França é engenheiro civil e o atual presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc). Para ele, Brasil deve seguir modelo de desburocratização e eficiência dos EUA, onde é possível fazer uma transação imobiliária 100% online. “Um russo poderá vender para um brasileiro, cada um em seu próprio país com documentos assinados por meio de smartphones. O dinheiro será transferido e o negócio fechado de maneira objetiva, incluindo uma vistoria no imóvel para ter certeza de que ele está nas condições de venda em que foi anunciado.”
França foi Diretor Executivo do Banco Itaú́ por 16 anos, onde atuou como Diretor de Crédito Imobiliário (2006 a 2015) e foi também o responsável pela implantação do Banco de Investimentos. Hoje, preside o conselho da Recuperadora Nacional de Crédito (Renac), é conselheiro do Banco Inter e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Quando a Selic caiu ao menor nível histórico, 2% ao ano, em agosto de 2020, houve um otimismo do mercado imobiliário, bancos lançaram novas linhas de crédito e o sonho da casa própria ficou muito perto. Novas altas da Selic devem arrefecer o entusiasmo ainda este ano?
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Não. Temos estudos no mundo todo que mostram qual nível da taxa de juros dá o gatilho para o crescimento do mercado imobiliário. A maior parte das pessoas que quer comprar um imóvel precisa financiar e o número mágico aqui no Brasil é quando a taxa fica abaixo de dois dígitos. Isso dispara um grande movimento, mas acontece em diversos outros países. Assim que a Selic ficou um pouco abaixo dos dois dígitos observamos um grande volume de recursos sendo direcionado para o mercado imobiliário. Então, a alta da Selic não vai fazer com que a taxa do crédito supere dois dígitos. Ainda temos os fundamentos de um mercado com condições de aquisição.
Mesmo que voltemos ao patamar de dois dígitos até o começo do ano que vem?
Na verdade, a expectativa é de que no final do ano tenhamos uma Selic que, na pior das hipóteses, vai estar em torno de 6% ao ano. E isso vai dar ao crédito imobiliário uma taxa ainda abaixo de dois dígitos. Lembre-se que a maioria do recurso para o crédito imobiliário hoje, para o mercado de média renda, vem diretamente da caderneta de poupança. E ela capta 70% da Selic + TR. Quando você vê essa composição de juros inclusive na caderneta de poupança percebe que, por mais que tenhamos uma alta, o recurso utilizado para o financiamento imobiliário vem de um funding 30% mais barato.
Dados da própria Abrainc mostram que os lançamentos imobiliários cresceram 39% e as vendas de imóveis avançaram 21% no primeiro trimestre de 2021, em comparação com o mesmo período do ano passado. Neste cenário, destacam-se lançamentos de médio e alto padrão, com expectativa de crescimento entre 60% e 70% para a cidade de São Paulo ainda este ano. Esse perfil de imóvel deve continuar puxando o setor no segundo semestre deste ano e em 2022?
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Esse perfil continua sendo procurado, o mercado está funcionando bem, mesmo em um momento em que a economia está se recuperando mais lentamente. Quando tivermos todas as pessoas vacinadas – esperamos que isso vá acontecer até o final do ano – teremos uma retomada mais forte. Naturalmente as pessoas terão mais segurança e potencialmente aumentarão de renda, o que deverá trazer um volume maior de compradores.
Sim, mas neste momento temos alta do desemprego, inflação, a disparada do IGPM…
Mas esse é que é o fenômeno. Mesmo com a alta do desemprego o mercado está respondendo muito bem. A beleza do negócio é exatamente essa. Se hoje temos essa demanda por aquisição, imagina quando estivermos com a economia em crescimento, redução de desemprego e o aumento de renda das pessoas.
Dados do Tribunal de Justiça de São Paulo mostram que no primeiro trimestre deste ano foram registradas 8.417 ações de despejo no Estado, aumento de 79% em relação ao mesmo período de 2020. As principais motivações são inadimplência do aluguel e venda do imóvel pelo proprietário. Por outro lado, A Caixa Econômica Federal anunciou em janeiro o balanço do último trimestre de 2020, informando que a inadimplência do financiamento foi a menor da história. Quais ações precisariam ser tomadas para proteger a aquisição de quem já fez a compra e garantir o equilíbrio de quem está no aluguel?
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São duas coisas diferentes. A inadimplência do aluguel acarreta solicitação para se deixar o imóvel. A inadimplência de um financiamento acarreta perda do imóvel. A tendência é que quem tem financiamento para aquisição tenha uma inadimplência totalmente diferente da que é vista no aluguel. E é por isso que ao verificar os números, percebemos que a inadimplência no crédito imobiliário não aumentou e tem sido muito comportada.
E quanto aos imóveis comerciais? Qual a tendência para o segundo semestre e para o pós-pandemia?
Já verificamos que o mercado de imóveis comerciais começa a retomar. Vemos um movimento grande em bairros muito bons: Itaim, Vila Olímpia, na região da Faria Lima… a procura está voltando. Nós fizemos uma pesquisa na cidade de São Paulo e o estudo mostrou que 76% das pessoas entrevistadas não estão mais em regime de home office. Elas estão voltando ao trabalho. Dos 24% restantes, 56% pretendem voltar ao trabalho presencial. Existe uma parcela de empresas que ventila a possibilidade do trabalho presencial três vezes por semana. A volta aos escritórios virá, sem dúvida nenhuma. Porque há necessidade de interação entre as pessoas, sobretudo novos funcionários, estagiários, o contato é necessário para formar equipes.
Estamos vendo fintechs ampliando sua atuação no mercado imobiliário. Além de emprestar dinheiro para pessoas físicas adquirirem moradias, elas passam a oferecer financiamentos para empresas construírem empreendimentos, ocupando um espaço que não é totalmente preenchido pelos bancos. Como a atuação das fintechs deve impactar o mercado imobiliário nos próximos anos?
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As fintechs trazem agilidade às transações e flexibilidade. O Brasil precisa passar por uma fase de desburocratização. A aquisição do imóvel tem que se tornar mais rápida e ser cada vez mais digital – inclusive com relação aos cartórios de imóveis. Durante a pandemia melhoramos muito, mas ainda temos muito o que crescer e as fintechs são o grande conduíte para o desenvolvimento e o barateamento das transações.
Qual foi a principal transformação que a pandemia impôs ao mercado imobiliário?
A principal transformação foi a capacidade de fazer contratos de maneira virtual, de fazer com que os documentos chegassem aos cartórios por meio de transferência direta de arquivos para que fossem registrados mais rápido. Qual é o desejo de qualquer pessoa quando procura um imóvel? Fazer todos os trâmites burocráticos o mais rápido possível para mudar. Agora na pandemia isso tem um valor muito grande e o que a gente espera é que esse avanço não pare, que a gente não retorne aos mesmos modelos passados. Muito pelo contrário. Que o setor vá buscar outros níveis de eficiência, a exemplo do que temos em outros lugares do mundo.
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