Marco Antônio de Souza circulava orgulhoso pelas ruas de São Paulo em 1984. Vivia com a mãe e a irmã em uma casa do Capão Redondo, mas já planejava o começo de uma vida a dois com a namorada Edna Matos, moradora do Jardim Primavera. Ambos os bairros ficam no sul da zona sul da capital paulista, mas o acesso que os liga não é simples – o transporte público pouco favorece a interligação entre as regiões periféricas e no meio das duas ainda existe uma represa, a Guarapiranga. “A gente já tinha decidido casar e sonhava sobre como seria uma casa nossa”, lembra Marco. “A Edna, por exemplo, queria cozinha e banheiro com azulejos até o teto!”
Para garantir que pudesse ver a namorada sempre que quisesse – e também para impressionar os amigos –, Marco Antônio trocou seu Fusca pelo carro da moda: uma Brasília zero quilômetro com teto solar. A compra foi uma ousadia. Recém-formado em Física, tinha um emprego de remuneração satisfatória em uma empresa de seguros. Edna estava prestes a concluir o curso de Assistência Social e trabalhava como assistente administrativa de uma rede nacional de supermercados. As possibilidades eram prósperas, mas um carro zero poderia ser mais do que cabe no bolso.
Com planos de casamento, o casal investiu, junto, em um plano de expansão da Telesp. O termo e o conceito são extemporâneos. Quem viveu os anos 80, lembra que se tratava da contratação de uma linha telefônica mesmo antes da rede de cabeamento chegar ao bairro. Se hoje a compra de um chip de celular custa R$ 10, uma linha de telefone poderia valer algo em torno de R$ 20 mil em valores atuais.
Assim como 52% dos brasileiros, segundo pesquisa realizada pela startup MindMiners, Marco e Edna tinham como objetivo principal a compra de um imóvel – e embora estivessem construindo patrimônio, essa realização parecia muito distante. Por isso, os dois assumiram um regime de economia severa: todo mês, uma planilha orçamentária era levada a cabo para poupar o dinheiro da entrada de um apartamento. “A gente controlava cada centavo, até o dinheirinho de troco do pão”, recorda-se Edna. A mesma pesquisa informa que, hoje, entre quem está pensando em comprar um imóvel, 59% das pessoas fazem planejamento financeiro e 39% economizam mensalmente para tal.
A economia brasileira mudou muito nestes mais de 35 anos: fim da hiperinflação, Plano Real, ascensão da classe C, pujança das commodities, crise fiscal e taxa de juros na menor faixa da história são exemplos disso, mas os desafios de quem deseja conquistar o primeiro imóvel seguem bem semelhantes: fugir do endividamento ainda é o cuidado prioritário.
O casal vasculhou placas de “vende-se” e bateu na porta de várias corretoras. Porém, tendo em mente o dinheiro poupado para a entrada do primeiro imóvel, as opções eram somente de apartamentos pequenos, na planta e com prazo de 20 ou 30 anos para a compra financiada. O medo de se comprometer durante tanto tempo com uma dívida freava o avanço das negociações – 73% de quem busca um imóvel compartilha do mesmo receio. Ou seja, para três em cada quadro brasileiros, comprar casa financiada por muito tempo pode fazê-los abandonar os planos do primeiro imóvel.
Mas um dos corretores consultados pelo casal mencionou uma casa. Sem muita esperança, Marco e Edna conheceram o dono e logo notaram que havia ali uma oportunidade: o proprietário, que se mudaria com a família para a Vila das Belezas, bairro próximo ao Capão Redondo, se apaixonou pela Brasília de teto solar. Além disso, suas filhas adolescentes estavam ávidas pela possibilidade de ter telefone em casa.
Teto solar e telefone da mãe
Veio a proposta. Pela casa, os dois entregariam o carro, uma quantia em dinheiro e uma linha telefônica. O problema é que o plano de expansão estava previsto para dali a alguns meses. Ou seja: a linha telefônica própria ainda não estava disponível para negociação. “Minha mãe tinha telefone em casa, era uma das maiores conquistas financeiras da vida dela. Pedi para que cedesse a linha e, quando o plano de expansão saísse para mim, daria para ela”, explica Marco. “Ela aceitou e foi fundamental. Sem isso, não teríamos a casa.” Ele ainda contou com a ajuda de um amigo que lhe ofereceu um bico de assistente para trabalhar no contraturno e aumentar a renda. Edna, por sua vez, recorreu a uma amiga e pegou emprestada uma quantia equivalente a 10% do preço total.