OPINIÃO: Moradia é um direito ou um luxo?
Marie Brandão é fundadora e CEO da Stratégie Inteligência e Gestão Imobiliária
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A moradia, um dos pilares fundamentais para a dignidade humana, está no centro de um dos debates mais urgentes do nosso tempo. Com imóveis luxuosos se multiplicando nas grandes cidades e milhões de pessoas enfrentando a falta de habitação digna, surge a pergunta: a moradia é um direito universal ou um luxo acessível apenas para uma elite econômica?
Esse questionamento reflete um embate entre forças econômicas e sociais, aumento da desigualdade e mudanças nas dinâmicas urbanas. O setor imobiliário, ao mesmo tempo em que desempenha um papel crucial na economia, é um termômetro das disparidades sociais. Em um cenário onde o luxo é celebrado, mas o básico é negligenciado, qual é o verdadeiro papel do mercado?
Os últimos anos têm mostrado um crescimento exponencial no segmento de imóveis de alto padrão. Apartamentos e casas que ultrapassam dezenas de milhões de reais oferecem não apenas espaço e conforto, mas também exclusividade. Esses imóveis são concebidos como símbolos de status, com projetos que incluem desde spas privativos a helipontos e áreas de lazer futuristas.
Enquanto isso, os trabalhadores de renda média e baixa se veem cada vez mais afastados das regiões centrais, onde os preços dos imóveis atingem patamares inalcançáveis. Segundo um estudo recente da Fundação João Pinheiro, o déficit habitacional no Brasil ultrapassa 5 milhões de residências, refletindo a desconexão entre o crescimento do mercado de luxo e a necessidade de habitação acessível.
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Essa desigualdade não se limita aos números. Ela impacta diretamente a qualidade de vida, o acesso a oportunidades e a construção de cidades mais justas. Quando o setor prioriza o luxo em detrimento da acessibilidade, ele contribui para um modelo de urbanização segregador, onde o direito à cidade é restrito a poucos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela ONU em 1948, afirma que “todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, incluindo alimentação, vestuário, habitação e cuidados médicos.” No entanto, essa visão está longe de ser uma realidade em muitos países, incluindo o Brasil.
A moradia não se limita a ser um teto e paredes; ela é um espaço de pertencimento, segurança e construção de identidade. Estudos mostram que a estabilidade habitacional tem impacto direto na saúde mental, na produtividade e na capacidade de planejamento de longo prazo de indivíduos e famílias.
Porém, ao tratar a habitação como uma mercadoria sujeita às leis de oferta e demanda, o mercado muitas vezes negligencia seu aspecto humano. É aqui que o setor precisa se perguntar: até que ponto a busca pelo lucro pode coexistir com o compromisso social?
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O fenômeno da gentrificação é um exemplo claro de como o mercado pode expulsar populações vulneráveis das áreas centrais. Em muitas cidades brasileiras, a valorização imobiliária transforma bairros históricos em zonas exclusivas, forçando antigos moradores a se deslocarem para regiões periféricas, onde a infraestrutura é limitada e o acesso a serviços básicos é mais difícil.
Essa dinâmica não apenas segrega socialmente, mas também cria um ciclo vicioso de pobreza e exclusão. Famílias que precisam gastar horas diárias em deslocamentos têm menos tempo e energia para investir em educação, lazer e trabalho.
Apesar desse cenário desafiador, há iniciativas que apontam para um futuro mais inclusivo. Modelos de habitação popular, co-living e projetos de urbanismo sustentável são exemplos de como o mercado pode ser transformado para atender a diferentes camadas da população.
O programa Minha Casa Minha Vida, embora controverso em alguns aspectos, já beneficiou milhões de famílias, mostrando que políticas públicas e iniciativas privadas podem caminhar juntas para reduzir o déficit habitacional. Em paralelo, startups do setor imobiliário têm apresentado soluções criativas, como o uso de tecnologia para reduzir custos de construção e criar modelos de financiamento mais acessíveis.
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Em países como a Suécia e a Holanda, o conceito de aluguel social, financiado por parcerias público-privadas, tem se mostrado eficiente para equilibrar o acesso à moradia em diferentes faixas de renda. Esses exemplos mostram que, embora o problema seja complexo, ele não é insuperável.
Empresas e investidores têm o poder de liderar mudanças significativas, mas isso exige uma visão de longo prazo, que considere não apenas o retorno imediato, mas também o impacto social. Programas de habitação mista, onde imóveis de mercado convivem com unidades de interesse social, são um exemplo de como o lucro e a inclusão podem caminhar lado a lado.
A moradia é um direito humano ou um privilégio econômico? Essa pergunta, embora simples, carrega implicações profundas para o mercado imobiliário, as políticas públicas e a sociedade como um todo.
Enquanto o setor não abraçar plenamente sua responsabilidade social, o déficit habitacional e a segregação urbana continuarão a crescer, comprometendo não apenas o desenvolvimento econômico, mas também a coesão social.
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O desafio, portanto, não é apenas construir mais, mas construir melhor. Criar espaços que acolham, conectem e empoderem pessoas de todas as origens. Porque, no fim das contas, a moradia não deve ser apenas um teto; ela deve ser um lar, acessível a todos.
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