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Como a Geração Z se relaciona com o mercado imobiliário?
Jovens demonstram preocupação com aspectos sociais e buscam menos burocracias, mas momento econômico é um fator determinante
Por: Breno Damascena . 06/02/2023 - 9 minutos de leitura
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A Geração Z, atual vítima das desconfianças das gerações anteriores, já não é mais composta por crianças. São adolescentes e jovens adultos que trabalham, gastam dinheiro, ocupam posições importantes na construção do País e compram, vendem e alugam imóveis. A forma como esse grupo se relaciona com o mercado imobiliário vem mobilizando incorporadoras, empresas e outros atores do setor.
Especialistas indicam que eles são nativos digitais e que buscam trabalhos mais flexíveis, com menos obrigação de ir aos escritórios todos os dias. Além disso, os valores são inegociáveis, tanto em termos de consumo quanto de escolha da carreira. Sustentabilidade e direitos humanos para a diversidade são temas de primeira importância para os nascidos entre 1995 e 2010.
Esse movimento de inovação começa agora a ter seus primeiros impactos no mercado imobiliário. Um estudo realizado pela Brain Estratégia com exclusividade para o Estadão Imóveis mostra que 37% dos jovens da geração Z têm, sim, intenção de comprar um imóvel. É o maior resultado entre os grupos analisados, ainda que eles tenham demandas específicas quando estão buscando um lugar para morar.
Conforto e infraestrutura
O motoboy Bruno Aparecido e a empreendedora Lara Caroline estavam namorando há seis anos quando decidiram comprar um apartamento. O casal visitou alguns imóveis em Hortolândia, cidade do interior de São Paulo, em busca de um lugar que oferecesse conforto e serviços. “Optamos por um imóvel que tem varanda, um mercadinho no prédio e espaço para jogar vôlei no condomínio”, narra Bruno.
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Com ajuda do programa Casa Verde e Amarela, os jovens da geração Z deram entrada em um apartamento com dois quartos, dois banheiros, cozinha e lavandaria que tem previsão de entrega para 2024. A mudança de residência, porém, deve acontecer só em 2025. “Temos um projeto de estruturação da casa, com a montagem de móveis e uma nova decoração”, brinca Caroline. “Parecia um sonho, mas aconteceu”, celebra.
Os jovens de 21 anos comentam que pensam nisso desde que começaram a namorar. “A gente sempre quis ter o nosso canto. Nossos pais já têm casa e isso foi um incentivo”, pontua a empreendedora. Lara afirma ainda que a compra aconteceu antes do que imaginavam que seria possível e defende que as pessoas na sua idade pensem mais nisso. “Não é um dinheiro jogado fora, é investimento para a vida toda.”
Papel das incorporadoras
O apartamento adquirido pelo casal é um projeto da BRZ Empreendimentos com foco justamente no público mais jovem. Não à toa, de acordo com a entidade, 48% das unidades vendidas até o momento foram para a Geração Z. A Presidente do Conselho da companhia, Eduarda Tolentino, explica que o resultado é fruto de uma estratégia de vendas voltada para um perfil mais imediatista e com tendência a ser multitarefa.
“Um cliente mais velho demanda um tempo maior de maturação para fazer uma compra”, justifica. “A Geração Z é mais independente e sabe o que quer. Quando eles vão comprar, já pesquisaram tudo, leram as notas no Reclame Aqui e compararam valores. Essa praticidade torna a venda no plantão mais rápida”, avalia. “Também buscamos criar experiências digitalizadas para o público.”
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Ela comenta que a última coisa que a companhia faz no telefone é ligar para alguém. “Além disso, oferecemos diversas facilidades para que o condomínio se torne uma extensão da casa, como parceria com banho e tosa, vending machine e até carro elétrico compartilhado.” Outra característica que revela a mudança de mentalidade é a propensão a buscar imóveis com tendências mais sustentáveis.
A busca por processos digitalizados também norteia a estratégia da Lopes Consultoria de Imóveis para alcançar a Geração Z. De acordo com a gerente de atendimento ao incorporador da empresa, Natália Sinatura, é preciso manter o negócio sempre atualizado para apresentar projetos contemporâneos. “Nosso objetivo é passar os diferenciais tecnológicos que mais se adequam às necessidades dessa geração.”
Novos formatos de moradia
A modelo e jornalista Yasmin Ialuny, de 25 anos, levanta bandeiras sobre a causa racial e social, defende pautas ambientais e se preocupa com a qualidade de vida dos trabalhadores. Ela também evita a compra de roupas da indústria fast fashion e busca entender como as empresas em que ela consome se relacionam com esses aspectos.
Carioca, afirma que sua casa é o mundo e já morou em vários cantos do País. Quando tomou a decisão de se mudar para São Paulo, como uma forma de investimento na carreira, precisou se desapegar do apartamento em que morava na capital carioca. Odiou a burocracia por trás do processo e, por isso, na hora de encontrar um novo lar, optou por um novo formato de aluguel.
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Acostumada a plataformas de assinatura de streaming e música, a jovem buscou uma startup que oferecesse a moradia como um serviço. A Yuca atendeu suas necessidades ao disponibilizar apartamentos prontos para morar, opções de colivings e, principalmente, um formato de aluguel flexível. A proptech acompanha o movimento global de utilizar tecnologia para desburocratizar a locação.
“Se eu precisar morar fora do Brasil ou me mudar de novo, enquanto meu contrato está em andamento, é mais fácil dessa forma”, acredita Ialuny. “Não é que ter uma casa própria me prenderia no Brasil, mas esse tipo de moradia facilita as possibilidades.” E a modelo não é a única entre seus amigos que coloca o sonho da casa própria em uma prateleira inferior na lista de prioridades.
Ialuny conta que do ciclo de amizades próximas, apenas duas pessoas fizeram esse tipo de transação. No entanto, ela diz que o sonho de ter um imóvel ainda faz barulho em sua cabeça. “Sou uma pessoa negra em ascensão, bolsista de boas escolas e fruto de projetos e políticas público-privadas. Venho de um ciclo positivo e comprar uma casa, mais do que investimento, seria uma vitória familiar.”
Morar como um serviço
De olho nessa parcela de consumidores que prioriza experiências e processos simplificados, a Yuca tem um público específico: jovens profissionais recém-formados. “É uma geração conectada, que quer soluções sem fricção e com menos contato humano”, exemplifica Rafael Steinbruch, Head de Real Estate e co-fundador da empresa. “Eles fazem muito mais perguntas do que as gerações passadas”, analisa.
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Desta forma, o modelo de negócios e até a forma como a companhia pensa os prédios busca se adaptar a esses princípios. “Os clientes mais velhos são mais preocupados com atributos como preço, qualidade do imóvel e especificações do ativo. Enquanto isso, a Geração Z se preocupa mais com o entorno: os bairros, os serviços do condomínio e o que vai além do espaço físico”, sintetiza Steinbruch.
“Antes, era algo como ‘eu saio da minha casa, pego o carro e vou ao trabalho’. As pessoas tinham pouca conexão com a cidade em si. Por isso, topavam estar em um imóvel de 150 m² em um lugar mais afastado. Já a Geração Z escolhe primeiro a localização. Querem saber o que tem em volta, como se locomovem pela cidade.”
Steinbruch explica que as práticas da companhia se baseiam nessa busca dos jovens por experiências personificadas. “Investimentos em eficiência energética, tecnologia e outras iniciativas voltadas para o consumo consciente, além de buscar uma arquitetura mais afetiva”, adiciona. “Assim, até nosso marketing e estratégia de retenção de clientes tem uma conversão melhor com públicos mais jovens.”
Planejamento ou crise?
Jovens entre 21 e 24 anos representam o grupo com maior anseio em mudar de casa no Brasil. Dados do Censo QuintoAndar de Moradia, pesquisa feita em conjunto com o Datafolha, mostram que 47% dos brasileiros nesta faixa etária consideram alta a chance de mudar de imóvel nos próximos dois anos. Destes, cerca de 35% querem alugar seu próprio canto.
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O estudo também mostra que 91% dos jovens entre 21 e 24 anos sonham em ter o seu próprio imóvel. É o maior percentual dentre todas as faixas etárias pesquisadas. Assim, o levantamento acende o debate sobre o que é um arquétipo de comportamento dos jovens da geração Z e o que é, efetivamente, falta de recursos financeiros para tirar do papel o desejo de ser dono de uma residência.
Para Alberto Ajzental, coordenador do curso de negócios imobiliários da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a pergunta tem uma resposta óbvia. “Ouve-se muito que a Geração Z levanta bandeiras de meio ambiente, economia compartilhada, mas esse é um discurso que se molda à realidade das pessoas. É uma questão mais psicológica do que matemática. Se todo mundo ganhasse bem, estavam todos comprando apartamento”, avalia.
A visão de Ajzental é corroborada pelo Censo QuintoAndar de Moradia. A pesquisa também mostra que 84% dos jovens que pretendem morar de aluguel (21-24 anos) afirmam que não pretendem comprar uma casa própria nos próximos dois anos por falta de recursos financeiros. É o maior percentual entre todas as faixas etárias e 14 pontos percentuais acima da média nacional (70%).
“Na prática, a transformação é mais econômica do que ideológica”
Rafael Steinbruch, Head de Real Estate da yucaPublicidade
“Atualmente existem muitos dispersores de atenção. Ao invés de comprar um imóvel, os jovens priorizam coisas como viajar, comprar eletrônicos e outras despesas. Algumas gerações anteriores tinham mais facilidade para ter patrimônio e renda”, argumenta. No entanto, ele defende que existem transformações positivas vindas dessas experiências. “O consumo consciente e a economia compartilhada são frutos desse momento econômico.”
Para ele, esse movimento faz com que o capital alocado e parado seja empenhado em prol da humanidade enquanto diminui o desperdício de recursos naturais. “Se eu compro um carro e só dirijo 15 minutos por dia, ele continua ocupando espaço, prejudicando o meio ambiente e provocando gastos”, enumera. “A tendência, portanto, é apartamentos menores e mais funcionais.”
“A sala de estar que você não usa vai deixar de existir e tudo aquilo que não tem função prática no imóvel para de fazer sentido por causa do financeiro, do controle de gastos”, aponta. “É uma forma de enfrentar a brutal inflação de matérias-primas, a crise de energias e de alimentos.”