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Apartamento de 10m²? É isso mesmo?

Quando pensamos em um imóvel de 150m², estima-se que de 20 a 30% dele sejam as áreas molhadas

Por: Henrique de Carvalho 25/07/2022 5 minutos de leitura
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Ilustração do autor (Henrique de Carvalho)

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Primeiro, e menos importante, neste caso, falemos sobre o dinheiro. Estamos falando de um imóvel que custa 20 mil reais por m². Genericamente falando, é caríssimo, porque este valor por metro quadrado é caríssimo para qualquer casa ou apartamento. Entretanto, é proporcionalmente mais caro um imóvel de 150m² a 3 milhões de reais do que um imóvel de 10m² a 200 mil reais, e explico o porquê.

Hoje em dia, entregam-se os imóveis com acabamentos instalados somente nas áreas molhadas, que são cozinhas, banheiros, lavanderias e varandas, ou seja, os lugares de piso frio. Estas são as partes mais caras do apartamento e o custo das demais é bem mais baixo. Quartos e salas vêm crus, no contrapiso apenas. Deste modo, um apartamento de 150m² tem muita área de sala e quarto, as áreas mais baratas da construção por não haver ali nenhuma instalação de água e esgoto e serem entregues brutas. 

Quando pensamos em um imóvel de 150m², estima-se que de 20 a 30% dele sejam as áreas molhadas. Já um imóvel de 10m², cuja área corresponde a menos de dois terços de uma habitação em hotel econômico, é quase todo só as áreas molhadas, com um armário e uma cama em área seca. Neste imóvel, a área molhada facilmente passará de 50%. Assim, é mais absurdo um imóvel tradicional custar 20 mil reais por m² do que um desses micro apartamentos.

Mas como havia dito, esse é um problema menor. Entendamos que 20 mil reais o m² é absurdo em qualquer situação, uma vez que poderiam custar metade ou um quarto desse valor, não fosse a bolha imobiliária iniciada há cerca de 15 anos. Em condições de moradia popular, esses 200 mil poderiam bancar uma casa de 100m² com terreno e tudo.

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Preocupo-me com outras questões, de habitabilidade e salubridade. Apartamentos de 25, 30, 35m² são polêmicos, mas ainda se mostram capazes de prover o mínimo de decência aos seus habitantes. Ainda assim, precisamos ser cautelosos com o ufanismo futurista, pois é um artifício cujo prazo de validade já venceu, na história do pensamento arquitetônico, há mais de 60 anos.

O que quero dizer com isso é que é fácil enaltecermos novas formas de habitar, usar um “híbrido” no meio do texto, falar em conectividade, gadgets do hiperconsumo, romantizar achando que todos serão solteiros descolados andando de patinetes elétricos, pedindo comida exótica e, com isso, parecer justificar um apartamento cujo fato é ser inadequado como habitação.

O fato é que a maioria viverá precariamente nesses apartamentos, porque os cidadãos típicos estão deslocados do estereótipo dos “novos modos de habitar”. As pessoas, na maior parte dos aspectos de suas vidas, habitam e pensam de um modo antigo e tradicional, ainda que isso conviva com aspectos menos comuns de sua individualidade. E não é a construção de moradias em outros formatos que vai mudar a sociedade, mas uma sociedade que muda é que vai transformar seus modos de habitar, e esse movimento é lento. 

Um exemplo dessa máxima é Brasília. Projetada para ser uma capital futurista, foi retorcida até onde deu por seus habitantes, que levaram para lá a ideia de cidade que eles conheciam.

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O fato é que os mini-apartamentos são apenas mais um fenômeno do consumo, com o marketing cumprindo seu papel de atrair os desejos das pessoas para mais um produto posto no mercado. Não é diferente da pesca. Uns peixes a gente pesca com milho, outros com minhoca, e outros ainda com iscas artificiais.

Quem será que vai comprar ou morar nos imóveis de 25m² nos próximos anos? Quem vende aposta que serão universitários, divorciados, pessoas independentes, idosos bem resolvidos, ou médicos, pessoas de negócio e professores universitários que trabalham só alguns dias na cidade.

Já a abundância de ofertas me faz pensar se eles também não serão alugados por uma massa de famílias já acostumadas a viver em condições precárias, com quatro ou mais pessoas em um quarto, vendo ali a possibilidade de viverem suas precariedades mais perto do trabalho e livres do pesado transporte público que lhes consome a grana e o tempo? Observo na massa brasileira raiz uma resposta mais certa para a ocupação de tantos imóveis sendo oferecidos junto aos terminais e eixos de transporte público.

Agora observe, em 10m², como alguém ou uma família poderá viver? Por viver entendo tudo aquilo que não costumamos ou definitivamente não fazemos na cidade-chão, como dormir, acordar, preparar refeições, comer, tomar banho, guardar roupas, relaxar. Lembremos que uma refeição saudável por aplicativo custa pelo menos três vezes mais do que uma equivalente preparada em casa, então o público que precisa economizar não é o mesmo que recorre aos recursos de entregas uma ou duas vezes por dia. 

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Já passei alguns dias em um apartamento desse tamanho, em Berlim. Foi ótimo porque a viagem foi ótima, mas entendemos, minha esposa e eu, a impossibilidade de se viver em tão pouco espaço. O banheiro estava sempre úmido, não secava, era fácil vazar um pouco de água, durante o banho, para fora do banheiro, e mesmo a janela sendo boa, o pouco tempo que ficava aberta – de manhã e à noite – tornava o imóvel um local facilmente suscetível a mofo. 

Os móveis também serão caros, pois precisarão ser sob medida e com dimensões muito específicas. Mobiliário do tipo multifunções, com sofá que vira cama, armário que vira mesa que vira tábua de passar acaba sendo aquele exemplo que tem tudo mais ou menos e não tem nada direito. 

Mesmo sabendo que a metragem de 10m² é de exceção, e não a regra, como moradia segue sendo imoral, e servirá apenas para ser alugado por aplicativo de hospedagem para alguém que queira um quarto para chegar, dormir e partir no dia seguinte. Se o investimento compensa, só o tempo dirá.

Este texto foi originalmente publicado em:
https://sao-paulo.estadao.com.br/blogs/henrique-de-carvalho/apartamento-de-10m2/

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