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Quiet Luxury: como tendência inspira hábitos de moradia
Especialistas indicam que comportamento habitacionais são influenciados pela origem do dinheiro
Por: Breno Damascena . 27/05/2023 - 6 minutos de leitura
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Retratando os conflitos de bilionários que controlam um império, a série Succession chega ao fim consolidada como um marco do entretenimento. A obra retratou privilégios hereditários, mostrou a influência da riqueza na sociedade e acendeu holofotes sobre a tendência do quiet luxury (“luxo silencioso”). O movimento que reflete uma demanda atual vem impactando comportamentos sociais e até o mercado imobiliário.
O termo quiet luxury é utilizado para descrever o consumo com viés mais discreto. Ao invés de ostentar automóveis de grife e roupas com a marca estampada, quem adere à tendência prefere carros funcionais e vestimentas menos espalhafatosas. Porém, não se engane. Isso não significa que são itens baratos ou peças de baixa qualidade, mas, sim, que o valor está mais no “ser” e no “ter” do que no “exibir”.
“Existem marcadores sociais de consumo. Eles são materiais e imateriais. Os materiais o dinheiro até pode comprar, mas esses imateriais apenas quem já faz parte daqueles grupos consegue compreender”, resume Valéria Brandini, antropóloga que investiga o consumo de luxo no Brasil. “É um hábito de classe que vem desde a educação primária e que ajuda a reconhecer o que é realmente premium”, complementa.
Ela exemplifica que existem jovens de uma nova geração de ricos que não almejam possuir carros ou comprar vinhos caros, mas que são capazes de chegar em determinado local e rapidamente identificar um carro de luxo e o melhor vinho. “Ao invés de comprar uma Lamborghini ou uma Ferrari, eles preferem um Lexus. É um carro que custa R$ 500 mil, mas não recebe o mesmo olhar desses automóveis esportivos.”
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Quiet Luxury e segurança
Um dos propulsores mais significativos para a adoção recente do quiet luxury é a busca por segurança. Especializada no mercado imobiliário de luxo, Renata Victorino, sócia-diretora de vendas da Bossa Nova Sotheby’s, afirma que os itens de segurança são primordiais, especialmente, na busca por um imóvel.
“São pessoas que buscam arquitetos renomados. A localização do terreno é fundamental e com uma garagem espaçosa. Além disso, todos buscam blindagem, querem que o imóvel tenha um quarto de pânico, câmeras de segurança e privacidade”, diz Renata, que vende imóveis com ticket médio de R$ 5 milhões.
De acordo com Renata, os clientes de altíssimo padrão costumam ser mais bem informados e decididos. “São indivíduos acostumados a viver no luxo. Às vezes, aquele não é o segundo, nem o terceiro, nem o quarto imóvel que estão comprando. Por isso, investem em materiais nobres, que tenham durabilidade e que sejam mais sustentáveis. O conforto, a funcionalidade e a qualidade dos objetos ficam acima do preço.”
A visão compartilhada por ela é que essas famílias não se preocupam com o status e, sim, com o bem-estar e conforto. Existe, entretanto, um público que se esforça menos para manter a discrição. “É um público que chamamos de ‘segunda geração’. Não são necessariamente filhos dos ricos tradicionais, mas pessoas de 30 e poucos anos que compram imóveis de luxo e gostam mais de mostrar, de exibir essa conquista aos amigos.”
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Decoração sóbria e minimalista
Não é raro que o minimalismo das roupas, dos automóveis e das convivências se traduza, também, nos ambientes residenciais. Os ricos que adotam o luxo silencioso tendem a procurar uma estética mais limpa até nas decorações. A arquiteta Patricia Miranda de Lima, da Raízes Arquitetos, explica que os adeptos do quiet luxury não vão comprar um móvel só porque ele é caro, mas sim por ele ter valor de design.
E ela acredita que a pandemia impulsionou essa tendência. “Antes era comum ver famílias trocando todos os móveis quando iam se mudar de casa. Agora estamos fazendo mais projetos em que reutilizamos todos os objetos antigos.”
Para Patrícia, independentemente do tipo, a palavra principal na hora de decorar é conforto. “Estamos falando de pessoas com muito dinheiro, então é claro que elas moram em casas muito grandes, mas o estilo escolhido para a decoração é algo entre o minimalista e o clássico”, diz.
Segundo ela, no entanto, há um fator que ajuda a diferenciar os estilos: a idade do dinheiro.
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Dinheiro rico, dinheiro novo, dinheiro velho
Na Europa do século XVI, durante a Renascença, os poderosos da época queriam criar uma forma de distinguir os “nobres de verdade” da burguesia, grupo que estava em ascensão na época. Para isso, criaram uma série de costumes e regras que usavam para se destacar. O conceito de etiqueta é aplicado para estabelecer comportamentos socialmente aceitos em diferentes ocasiões, mas sua origem deriva da ideia de “etiquetar” pessoas de acordo com o título de nobreza e sobrenome.
No fim das contas, é uma estratégia para identificar quem tem “dinheiro velho” e quem tem “dinheiro novo”. Pode até parecer algo sem significância, mas Valéria afirma que alguns “hábitos de classe” são determinantes para formação de grupos e círculos sociais. “O consumo é pautado por cercas e pontes. O dinheiro é uma ponte, mas as cercas podem te impedir de acessar tudo que o dinheiro traz.”
Com dinheiro novo, de acordo com Valéria, é possível consumir coisas caras, comprar mansões, se hospedar em hotéis estrelados e acessar diversos privilégios e luxos. No entanto, é o dinheiro antigo que estrutura as cercas, que permite consumir categorias de produtos que não basta ser rico para comprar. “Existe uma classe social que não é alcançada apenas com dinheiro.”
“Ter um milhão não torna ninguém capaz de viver como um milionário (…) É preciso sentir-se o destinatário legítimo desse cuidado e atenção burocraticamente personalizados”.
Pierre Bourdieu, no livro Distinction: A Social Critique of the Judgement of Taste (p.374)Publicidade
Neste cenário, segundo Valéria, é comum encontrar milionários que preferem morar em uma casa com muros altos ou condomínios fechados ao invés de ostentar a beleza arquitetônica do imóvel a quem transita pelas ruas. Ou quem opta por não comprar uma roupa da Gucci porque está fazendo sucesso nas redes sociais, mas pagam dezenas de milhares de dólares em um lenço da Hermes que pouca gente vai reconhecer. É uma linha imaginária que distingue o luxo de ostentação e o luxo cultural.
Enquanto o “novo rico” quer demonstrar ao mundo as suas conquistas e criar provas sociais de sua bonança, o “rico de tradição” odeia o exibicionismo, salienta Valéria. E essa convivência nem sempre é tão pacífica. “Muitas pessoas procuram condomínios e espaços para moradia onde sabem que não vão encontrar o tal dinheiro novo. Muitas vezes até trabalham para fazer com que isso não aconteça.”