Como os imóveis são utilizados na lavagem de dinheiro?
Pagamento com dinheiro vivo e imóveis com valores irreais são sinais claros da prática criminosa

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No rastro de um mercado imobiliário que movimenta trilhões de reais anualmente, o uso de imóveis como ferramenta para lavagem de dinheiro parece um vulto encoberto. A complexidade da prática e os valores envolvidos costumam chamar a atenção das autoridades de fiscalização, mas o consentimento entre as partes pode tornar o processo mais descomplicado.
Em 2024, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) recebeu 1.083 notificações suspeitas envolvendo a compra e vendas de imóveis. O número representa um salto de 21% em relação a 2023, mas está abaixo dos 1.436 casos registrados em 2022. Nos últimos 10 anos, a média foi inferior a mil notificações por ano. Especialistas, porém, apontam para um cenário de subnotificação.
Em comparação, o COAF contabilizou mais de 482 mil notificações suspeitas oriundas do mercado de seguros e 1,5 milhão envolvendo instituições financeiras só no último ano.
Da precificação irreal de imóveis à emissão de cheques suspeitos e pagamentos integrais com dinheiro vivo, a lavagem de dinheiro no mercado imobiliário chama atenção por envolver quantias relevantes e casos emblemáticos.
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Como funciona a lavagem de dinheiro com imóveis?
A lavagem de dinheiro é um processo para ocultar a origem ilícita de recursos financeiros fazendo parecer que tenham vindo de fontes legais. É geralmente associada a atividades como tráficos de drogas e contrabando, mas a prática também pode ser utilizada pelo colarinho branco para camuflar crimes como ocultação de patrimônio, corrupção e sonegação de impostos.
Como diz o nome, o objetivo da prática é “limpar” o dinheiro sujo, para que ele possa ser utilizado no sistema financeiro tradicional sem levantar suspeitas.
Na venda superfaturada de um imóvel, por exemplo, um comprador declara ao cartório um valor muito menor do que o que realmente foi pago. Assim, o pagamento “extra” é realizado de maneira informal, muitas vezes com dinheiro em espécie. Ao mesmo tempo que o ex-proprietário se exime de pagar impostos, o criminoso passa a ter um imóvel ‘limpo’ que pode ser vendido ou alugado e gerar uma renda sem suspeitas.
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No superfaturamento, o vendedor registra um valor de transação muito maior do que o valor real do imóvel. Desta forma, ele consegue justificar a origem de um dinheiro ilícito como lucro da venda futura.
Dinheiro vivo e preços irreais
O advogado imobiliário Alexandre Tadeu Navarro, do escritório Bicalho Navarro Advogados, aponta que, em tese, o mercado imobiliário inibe a lavagem de dinheiro. “Existem diversas informações que circulam pela escritura de um imóvel. A transação gera informes ao cartório e ao fisco municipal. É uma transferência com muitas formas de rastrear”, aponta.
Da Receita Federal ao COAF, passando por alertas emitidos por instituições financeiras, Navarro indica que é natural que uma negociação fora dos padrões chame a atenção dos sistemas de fiscalização, como o custo de um apartamento que esteja muito distante de outras unidades no mesmo prédio. Segundo ele, o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) permite essa checagem.
Portanto, o cenário mais comum para a lavagem de dinheiro, indica o advogado, é o de venda de casas usadas em conexão direta entre comprador e vendedor, sem a anuência de grandes imobiliárias ou corretores de imóveis. “Construtoras e corretores são obrigados a alertar o COAF em situações anormais”, ilustra. “Já as casas permitem mais flexibilidade”, entende.
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Existem, ainda, outras situações que devem acender uma luz amarela. “Não é normal, por exemplo, pagar imóvel com dinheiro vivo. Ninguém anda com uma mala de dinheiro a não ser que ele tenha uma origem duvidosa”, exemplifica o advogado. Nestes cenários, a recomendação é que o corretor ou imobiliária notifique o COAF.
Cenário brasileiro
Por outro lado, o advogado Raphael Soré, sócio de compliance, investigações e governança corporativa na Machado Meyer Advogados, afirma que o segmento imobiliário possui, sim, grandes vulnerabilidades. “É muito atrativo para os criminosos. Você está lidando com bens de alto valor, então dá para lavar uma quantia significativa de uma vez só”, aponta.
“Além disso, trata-se de um bem cujo valor é subjetivo. Um imóvel que vale R$ 5 milhões pode ser subavaliado e vendido por R$ 1 milhão. Nisso, é possível ‘lavar’ R$ 4 milhões”, calcula.
De fato, o Índice de Opacidade na Propriedade Imobiliária, desenvolvido pela Transparency International e pela Anti-Corruption Data Collective, aponta falhas na transação de imóveis ao redor do mundo.
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O estudo analisou 22 países, incluindo grandes economias e centros financeiros, e concluiu que nenhum está ileso de problemas que facilitam criminosos e corruptos a explorar brechas para lavar dinheiro sujo em imóveis.
No Brasil, por exemplo, o relatório enaltece que os advogados são legalmente obrigados a reportar suspeitas de lavagem de dinheiro e apresentar relatórios de transações duvidosas. Além disso, o País divulga com transparência as práticas reportadas e dados de compras e vendas suspeitas.
Em contrapartida, o estudo aponta a falta de registros imobiliários centralizados que englobem diferentes estados e a ausência de marcos legais de combate à lavagem de dinheiro. O relatório também alerta que a divisão de responsabilidades entre vários profissionais ou entidades ajuda a criar lacunas onde atividades suspeitas podem passar despercebidas.
Em nota enviada ao Estadão Imóveis, o Coaf afirma que é responsável por receber, analisar ou tratar e compartilhar com autoridades competentes a apuração de ilícitos. No entanto, ela não atua como órgão de investigação ou de acusação penal. A entidade que regula o segmento imobiliário é o Conselho Federal de Corretores de Imóveis (Cofeci).
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Obstáculos e fiscalização
A partir deste entendimento, Soré entende que não faz sentido penalizar uma instituição por eventuais movimentações irregulares em todo o mercado. “As incorporadoras, cartórios e corretores de imóveis podem descumprir a regulação setorial. E nem sempre descumprir essas normas significa que exista a lavagem de dinheiro”, acrescenta.
Na presidência do Sistema Cofeci-Creci, João Teodoro, indica que as imobiliárias e corretores são orientados a denunciar qualquer operação que seja suspeita de lavagem de dinheiro. “O corretor não precisa deixar de fazer o negócio, mas ao realizar a venda do imóvel, é necessário realizar a denúncia. As boas empresas e corretores estão preparadas para este tipo de situação”, acrescenta.
Atente-se aos sinais
Especialistas enumeram que existem alguns cenários que os proprietários de imóveis e corretores devem ficar atentos. Nestas situações, a recomendação é emitir um alerta para o COAF indicando o risco de transação suspeita. A partir da denúncia, a instituição vai investigar o suspeito.
Teodoro pontua que o corretor de imóveis não será penalizado pela denúncia e não precisa deixar de realizar o negócio. Pessoas físicas também podem fazer denúncias anônimas ao Ministério Público ou Polícia Federal.
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Confira sinais de alerta para lavagem de dinheiro envolvendo a compra e venda de imóveis:
– Subvalorização ou sobrevalorização do preço de um imóvel;
– Várias transferências de diversas contas diferentes e em datas incomuns para pagar a propriedade;
– Valor do imóvel é incompatível com a renda declarada do comprador;
– Pagamento integral ou parcialmente feito com dinheiro vivo;
– Financiamento liquidado em tempo muito curto e sem justificativa plausível;
– Alterações frequentes de cláusulas nos contratos;
– Pressa para fechar o negócio, sem negociação ou vistoria;
– Uso de empresas recém-criadas para comprar imóveis.
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