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[OPINIÃO] Por que franceses acreditam mais no Centro de São Paulo do que muitos paulistanos?

Elisa Rosenthal é diretora do Instituto Mulheres no Imobiliário

Por:Elisa Rosenthal 11/10/2025 4 minutos de leitura
Os incentivos do poder público e a chegada de projetos de maior padrão têm elevado a régua do centro de São Paulo/ Crédito: Luiz Leite/AdobeStock

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Meu avô, Jacques Wrona, imigrou de Paris para o Brasil no fim dos anos 1930, com os pais e irmãos. Vieram quase sem nada — meu tio perdeu até um sapato no navio — e chegaram falando apenas “boá noitê”, com sotaque francês. Décadas depois, na região central, ele fundou sua fábrica de confecção e investiu em imóveis comerciais que permanecem na família até hoje. 

Assim como meu avô, que saiu da Cidade Luz, outros franceses escolheram a região central como refúgio e aposta de investimento comercial e imobiliário. Conversei com Maxime Barkatz, fundador da Ilion Partners, gestora que já realizou mais de 23 projetos de retrofit, resgatando edifícios históricos e devolvendo-os ao mercado com novos usos, e Olivier Anquier, chef e empreendedor, que desde 2012 fez do Edifício Esther a vitrine de sua gastronomia e reabriu recentemente a Padaria Mundo Pão d’Olivier no térreo do Edifício São Thomaz.

O contexto torna a aposta ainda mais intrigante: segundo a Associação Comercial de São Paulo (ACSP), a taxa de vacância das fachadas ativas no Centro chega a 80%. O que eles veem que muitos paulistanos não conseguem enxergar?

Para bastante gente o Centro é sinônimo de degradação e abandono. Mas basta ouvir Maxime e Olivier para perceber outro prisma: oportunidade, vitalidade urbana e potencial cultural que pulsa entre a República, a São Luís e o Copan. 

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Tanto Maxime quanto Olivier encontraram no Centro uma essência familiar francesa: a diversidade e a vida urbana.

“Minha escolha pelo Centro foi pessoal. Eu morei aqui como estudante no começo dos anos 2000 e me fascinava ver aquele lugar, esvaziado nas décadas anteriores, ser redescoberto por jovens e artistas. Anos depois, já no mercado imobiliário, enxerguei que o Centro tinha uma reserva de valor clara, que continuaria atraindo pessoas e investimentos”, lembra Barkatz.

Essa aposta se traduziu em projetos como o Maria Magdalena, na Praça da Bandeira — pequeno, eficiente e comunitário — e a ocupação de lajes corporativas no Copan, realugadas para empresas de alto padrão que trocaram bairros nobres pelo Centro.

Ele diz que o retrofit é mais rápido e menos arriscado que a incorporação tradicional, além de ter a vantagem de partir da “essência do prédio” para criar valor. “Não buscamos um modelo único: às vezes é mudar o uso, às vezes é adaptar plantas, ou trazer empresas de alto agregado. A criação de valor nasce sempre do edifício e de sua história.”

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Maxime Barkatz – Crédito Serguei Dias

Olivier fala sobre o Centro com a mesma paixão. “Fui criado num meio urbano europeu, onde o café de esquina e a padaria fazem parte do cotidiano. Cheguei a São Paulo em 1980 e demorei 20 anos para conseguir morar no Centro. Mas quando consegui, decidi trazer também meus negócios para cá. Foi um desafio, porque muitos viam essa região como perdida. Mas eu acreditava no lado humano, na diversidade de encontros que só o Centro oferece.”

Olivier Anquier à frente da Padaria Mundo Pão d’Olivier – Crédito Jaime Leme

Se para Maxime o retrofit é motor de desenvolvimento, para Olivier a gastronomia é motor de convivência. O Esther Rooftop transformou a experiência de olhar para a cidade, enquanto a reabertura da Padaria no São Thomaz devolveu vitalidade ao térreo.

Não quis repetir fórmulas. Quis trazer algo que marcasse, que enriquecesse o que já existe. Isso atrai pessoas diferentes, movimenta o entorno e dá nova vida às ruas”, resume o empresário que já planeja seu próximo investimento na região, reunindo arte e entretenimento.

Ambos concordam que o Centro atravessa uma virada. Os incentivos do poder público e a chegada de projetos de maior padrão têm elevado a régua. Mas eles destacam que o segredo está na diversidade.

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Se o Centro não fosse diverso, não teria graça. A mistura é o que faz dele um lugar único”, reforça Barkatz.

Já Anquier provoca: “Talvez seja mais fácil para um estrangeiro valorizar o Centro do que para muitos paulistanos porque não carrego as narrativas que desvalorizam esse território. Eu vejo potencial onde outros enxergam problemas.”

Esse olhar estrangeiro não é ingenuidade — é perspectiva. “Paris, lembra Maxime, é uma cidade do século XIX onde o retrofit é regra. São Paulo oferece algo que Paris já não tem: liberdade para experimentar”. Olivier, com sua bagagem francesa, encontra no Centro justamente o que deixou na Europa: o caminhar, o encontro, a mistura social.

Enquanto São Paulo debate seus destinos imobiliários entre bairros em expansão e torres envidraçadas, dois franceses nos lembram: a alma da metrópole pulsa onde ela nasceu. O Centro é reserva de valor econômico, sim, mas sobretudo reserva de humanidade. Talvez precisemos dessa lente estrangeira para voltar a enxergar nossa própria cidade — e encontrar luz entre a história de seus edifícios.

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