Opinião: Os desafios da mobilidade urbana na cidade de São Paulo
André Pereira de Morais Garcia e Marcella Martins Montandon são, respectivamente, advogado e sócia do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra
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São Paulo continua enfrentando entraves significativos na mobilidade urbana, um desafio que se agrava devido à complexidade da maior cidade do país.
De acordo com pesquisa realizada pelo Inteligência em Pesquisa e Consultoria – IPEC, Rede Nossa São Paulo e o Instituto de Cidades Sustentáveis, o tempo médio de deslocamento na cidade aumentou, passando de 1h47 (em 2019, pré-pandemia) para 1h53 (em 2023), com uma leve redução para 1h38 em 2024.
Entre os diferentes modais, os usuários de carro gastam em média 1h37, enquanto os que utilizam transporte público chegam a 1h59.
Apesar dessa leve melhoria, o progresso é modesto e demonstra que São Paulo ainda patina na busca por soluções eficazes para a mobilidade. O percentual de usuários de ônibus diminuiu, enquanto a população que utiliza carros aumentou, e os percentuais de uso de transportes alternativos caíram ou permaneceram estáveis.
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É importante destacar que a maioria da população se locomove principalmente por ônibus e carros. No entanto, chama a atenção que 24% dos usuários de carro não pretendem deixar de usá-lo, e outros 19% que ainda não possuem um veículo pretendem adquiri-lo.
O crescimento do transporte individual é preocupante, especialmente diante das urgências climáticas e das metas estabelecidas no Plano de Ação Climática do Município de São Paulo 2020-2050 – PlanClimasSP.
Segundo o último Inventário de Gases de Efeito Estufa (GEE) do município (2020), o setor de transporte é responsável por aproximadamente 60% das emissões de CO2, totalizando cerca de 7 milhões de toneladas, de um total de 11 milhões de toneladas de CO2 emitidas pela cidade.
Com isso, é imperativo revisar urgentemente as políticas públicas para impulsionar os meios de transporte alternativos e tornar o transporte público mais sustentável, com foco especial em sistemas como trens e metrôs.
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Meios alternativos de locomoção, como bicicletas e caminhadas, devem ser priorizados, especialmente no contexto da micromobilidade urbana. Atualmente, apenas 1 em cada 10 paulistanos utiliza a bicicleta como meio de transporte, enquanto 76% afirmam que nunca a utilizam. No caso das caminhadas, grande parte da população sequer reconhece a prática como uma forma válida de deslocamento urbano.
A resistência aos meios alternativos de mobilidade urbana fica clara ao observarmos as principais reclamações da população:
– insegurança nas faixas de pedestres;
– má qualidade das calçadas;
– dificuldade de travessia em pontes e viadutos;
– falta de segurança nas ciclovias.
Exemplos desse cenário são evidentes ao redor do Parque do Povo, onde a falta de iluminação pública reduz a sensação de segurança, e o tempo de travessia para pedestres (Av. Chedid Jafet x Av. Juscelino Kubitschek) é insuficiente, com apenas 10 segundos, além de motoristas que frequentemente ignoram o sinal vermelho.
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No que diz respeito ao uso de bicicletas, a população afirma que adotaria esse meio de transporte se houvesse mais segurança nas vias, maior proteção contra roubos, melhor conectividade das ciclovias e sinalização aprimorada.
Incentivos econômicos, como subsídios para a compra de bicicletas elétricas, poderiam ser uma solução eficaz para superar as barreiras geográficas e encorajar mais usuários.
Um estudo do Departamento de Cidades da London School of Economics (LSE) analisou as mudanças na mobilidade urbana em países como Alemanha e Reino Unido nas últimas décadas. Observou-se que, no século XX, o crescimento das cidades europeias foi caracterizado pela dependência do automóvel e pela expansão suburbana.
Entretanto, recentemente, essa tendência foi revertida com a revitalização dos centros urbanos e investimentos em transporte público. Tecnologias como aplicativos de mobilidade e serviços de compartilhamento de veículos estão transformando o cenário de transporte urbano, promovendo o uso de modais ativos, como a caminhada e o ciclismo.
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Essas mudanças, especialmente visíveis em cidades como Berlim e Londres, têm o potencial de reduzir a emissão de gases poluentes e melhorar a qualidade de vida, apesar das dificuldades em expandir essas soluções para as áreas suburbanas.
O mesmo estudo sugere que esses novos padrões de mobilidade estão intimamente ligados à redução da atração pelos subúrbios, favorecendo o adensamento populacional nos centros urbanos.
No caso de Londres e Berlim, esse “retorno à cidade” foi impulsionado pela dinâmica econômica pós-industrial, mudanças demográficas e familiares, além da maior participação das mulheres no mercado de trabalho.
A preocupação com os impactos ambientais e os problemas gerados pela expansão urbana levaram à adoção de políticas de planejamento urbano mais compactas, com foco no aumento da densidade populacional e no desenvolvimento de bairros integrados ao transporte público e mais amigáveis para pedestres.
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Essas políticas visam reduzir o uso de carros e mitigar seus impactos ambientais, ao mesmo tempo em que melhoram a qualidade de vida e preservam o solo.
Em resposta às transformações, o uso excessivo de carros nas cidades tem sido criticado por isolar os moradores e degradar o espaço público, além de ser associado a diversos problemas de saúde.
A promoção de formas de “viagem ativa”, como caminhar e pedalar, e intervenções de design urbano, como a ampliação de calçadas e ciclovias, têm sido algumas das principais estratégias adotadas para combater esse problema.
São Paulo deve olhar para esses exemplos bem-sucedidos e reconsiderar suas próprias políticas. No entanto, é fundamental que, assim como nas cidades europeias, as soluções sejam adaptadas ao contexto sociodemográfico local.
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Segundo os pesquisadores, embora existam muitas formas sustentáveis de mobilidade urbana, “elas precisam ser adaptadas às preferências, necessidades e restrições específicas de cada grupo da população, considerando o tipo de transporte utilizado.
O contexto é crucial, pois determina a viabilidade das intervenções e exige uma interação sensível entre políticas ‘duras’ e ‘brandas’. Avaliar essas intervenções, não apenas em termos de sua adequação física e financeira, mas também em relação aos fatores comportamentais predominantes, é essencial para construir cenários realistas e desenvolver estratégias eficazes.”
A cidade de São Paulo, desde o Plano Diretor de 2014, previu uma estratégia de adensamento construtivo e populacional nas áreas próximas a rede de transporte público, pensando, justamente, em diminuir o número de viagens de carro e, ao mesmo tempo, aproximar moradia e emprego (com o incentivo ao uso misto).
No entanto, esse modelo de planejamento urbano isolado, embora positivo, não resolve o problema da mobilidade, especialmente na maior cidade do Brasil.
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Neste sentido, a exemplo das estratégias adotadas por Londres e Berlim, a cidade de São Paulo poderia, desde já, adotar e aprimorar algumas medidas para potencializar a solução dos problemas de mobilidade.
Entre as iniciativas, se destacam, por exemplo, a eventual cobrança pelo uso de veículos em algumas regiões da cidade com maior índice de congestionamento, a manutenção e ampliação das calçadas existentes (não apenas no caso de novos empreendimentos, como prevê a legislação urbanística da capital), a criação de vias exclusivas para pedestres, e a construção e expansão da infraestrutura de ciclovias e sistemas de veículos leves sobre trilhos (VLT).
Outras medidas incluem a simplificação do processo para obtenção do bilhete único, a realocação dos cobradores para outras funções, a fim de ampliar o espaço interno dos ônibus, a eletrificação da frota de ônibus, e o aumento do tempo para travessia de pedestres nos sinais de trânsito. Investimentos em tecnologia para aplicativos de mobilidade também são essenciais para melhorar a experiência do usuário e atrair mais adeptos.
A criação ou, até mesmo, o aprimoramento das medidas mencionadas pode reduzir significativamente o uso de automóveis e caminhar em direção a uma mobilidade mais sustentável nos próximos anos.
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Apesar dos avanços previstos no PlanClimaSP, o documento demonstra certa timidez ao abordar mudanças necessárias na mobilidade urbana.
As metas apresentadas, como a eletrificação total da frota de ônibus até 2038, a previsão de que apenas 4% das viagens urbanas sejam feitas de bicicleta até 2030, e a redução de apenas 25% nas viagens por automóveis individuais, indicam que as ações propostas carecem de maior ousadia diante da urgência climática.
O cenário demanda intervenções mais rápidas e efetivas para transformar o sistema de transporte urbano de São Paulo em um modelo sustentável e verdadeiramente alinhado com as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa. A estratégia de mudar gradualmente o modal de transporte e focar na eficiência dos combustíveis, embora relevante, não parece ser suficiente para enfrentar os desafios ambientais da capital em um ritmo compatível com o agravamento da crise climática.
Não custa lembrar que, em Londres, as metas de mobilidade sustentável são bem mais ambiciosas do que as propostas pelo PlanClimaSP. A capital inglesa tem como objetivo que 80% de todas as viagens na cidade sejam realizadas a pé, de bicicleta ou por transporte público até 2041, em comparação aos 65% registrados anteriormente.
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Para alcançar a meta, foram implementadas diversas ações, como a expansão de ciclovias, incentivos ao transporte ativo e a criação de zonas de baixa emissão, como a Ultra Low Emission Zone (ULEZ), que já levou a uma redução de 30% nas emissões de óxidos de nitrogênio em áreas críticas da cidade. Além disso, a cidade conta com mais de 20 mil pontos de carregamento de veículos elétricos e ônibus de emissão zero.
São Paulo tem o potencial para ser um modelo de mobilidade urbana sustentável na América Latina, mas para isso, as políticas públicas precisam ser revistas com urgência e ampliadas de forma significativa. Com outras palavras, cabe ao Estado promover as condições necessárias para uma mudança comportamental/cultural significativa da população.
É essencial que essa transição não afete negativamente o bem-estar da população, o que só será possível com uma abordagem integrada que considere tanto as necessidades urbanas quanto as demandas sociais e ambientais.
A mudança precisa ser profunda, abrangente e impulsionada por uma visão ambiciosa, que responda adequadamente à crise climática e ao futuro da mobilidade na cidade.
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Essa análise se concentra, sobretudo, nas mudanças que podem ser implementadas inicialmente na região do centro expandido de São Paulo, onde há maior índice de congestionamento e potencial de intervenções mais rápidas, considerando a grande infraestrutura existente.
As áreas periféricas e as zonas de aproximação ao eixo central também enfrentam desafios significativos e merecem uma análise específica, em momento adequado. As soluções para essas áreas demandam políticas integradas e adequadas às suas particularidades socioeconômicas e geográficas, que certamente merecem atenção especial.
Por Marcella Martins Montandon e André Pereira de Morais Garcia
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