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Quarentena: é a hora certa de adotar um bichinho de estimação?

Procura por animais domésticos cresce, mas é preciso estar ciente das necessidades e custos da adoção, evitando abandono após período de isolamento social

Por:Camila Caringe 15/05/2020 9 minutos de leitura
Madeleine, que perdeu o olho direito por causa da rinotraqueíte (doença viral comum em felinos) foi resgatada, recebeu tratamento e ganhou um novo lar em abril/Foto: arquivo do projeto Enquanto Houver Chance

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Tanto tempo sem abraçar os familiares, sem reunir os amigos e, o que é pior, sem encontrar o crush, faz a gente começar a ter ideias. Pensando nisso, a prefeitura do Rio de Janeiro deu aquele empurrãozinho que faltava para quem está à procura de um novo amor: delivery para incentivar a adoção de cães e gatos durante a pandemia. Os 900 animais disponíveis foram resgatados de situações de abandono e maus-tratos e aguardam um lar definitivo.

Mas o incentivo só veio reforçar a tendência. Em São Paulo, o projeto Enquanto Houver Chance sentiu o aumento do interesse. Para efeito de comparação, nos meses de março, abril e maio de 2019 o projeto intermediou nove adoções de gatos. No mesmo período deste ano já foram 22 e o mês de maio ainda está na metade. Mas não foi só a quantidade que mudou. As pessoas estão mais sensíveis a casos de animais fora dos padrões antes buscados: pelagem clara, filhotes e perfeitos.

“Muitas pessoas estão, surpreendentemente, dando chance a gatos adultos, com pelagem colorida ou que precisam de cuidados com a saúde, o que é sensacional. São gatos que, em circunstâncias normais, não teriam sido notados por ninguém”, conta Juliana Santana da Rocha, 36 anos, idealizadora do Enquanto Houver Chance. O esforço de Juliana é voluntário. Trabalhando com a causa de animais abandonados há 14 anos, há 3 resolveu criar o próprio projeto, que atua majoritariamente com gatos e está situado na zona sul da capital paulista.

“Há mais procura pelas adoções, mais pessoas estão entrando em grupos à procura e recebemos pedidos que não conseguimos mais atender.” Agora com sete gatinhos em processo de intermediação, o projeto chegou a atender até 52 felinos ao mesmo tempo, muito acima da capacidade, já que antes de serem disponibilizados os bichos são vacinados, castrados, vermifugados e até passam por procedimentos cirúrgicos, quando necessário.

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A Graviola foi uma das gatinhas resgatadas que ganhou uma casa nova durante a pandemia do novo coronavírus. Adulta, tricolor e aguardando adoção desde setembro do ano passado, Graviola agora mora com Ana C. Costa, 35 anos, autônoma. “Eu já tinha vontade de adotar, mas essa decisão tem a ver com a quarentena. O meu ritmo de trabalho diminuiu, estou em casa, posso fazer tudo com mais calma. E quando a vida normalizar eu não vou querer voltar para o mesmo ritmo de antes. A adoção do gato tem a ver com isso, essas outras coisas que quero incluir no meu dia, no meu tempo de vida.” Ana conta também que se sente privilegiada por poder reduzir sua jornada de trabalho sem preocupações e, por isso, gostaria de colaborar com a sociedade de alguma forma. “Eu penso no quanto a gente precisa fortalecer nosso papel enquanto comunidade. De que maneira poderia ajudar? Por isso eu quis adotar um bichinho que estivesse precisando de um lar.”

Burocracia para evitar fogo de palha

Graziele Adriane B. da Cruz, de 24 anos, também atua voluntariamente no próprio projeto, AdotarÉChic. Coordenadora de produção gráfica na área de cinema, ela também coordena cuidados com “peludinhos” (gatos e cachorros) resgatados, que distribui entre abrigos particulares e lares temporários até que recebam um lar definitivo. E confirma a tendência de alta da demanda durante o período de isolamento social. Foram 22 adoções entre 14 de março e 15 de maio de 2019. Já entre 14 de março e 15 de maio de 2020, foram 51, o que significa aumento de 132%. “Fiquei com receio quando vi o boom da procura. Mas eu sempre tive um processo de adoção bem burocrático e responsável, feito por entrevista, questionário, envio das fotos do local, visita, aproximação forte com os interessados e apresentamos as consequências de possíveis devoluções. São vidas.”

Os aspirantes a adotantes precisam preencher um formulário com 33 perguntas que os obriga a refletir: está ciente do tempo, cuidados e custos financeiros gerados pelo animal? Em caso de alergia, como pretende lidar? Se for viajar, o que pretende fazer? Além disso, a residência é avaliada com relação à segurança, adequação e adaptação ao novo morador. Para gatos, a adoção não acontece sem que existam telas em todas as janelas e possíveis rotas de fuga devem ser interrompidas. Para cachorros, móveis devem ser removidos de perto das janelas ou portões. Parapeitos ou portas de altura baixa precisam ser modificados. Em ambos os casos, o processo só pode ser solicitado por interessados maiores de 21 anos.

“Algumas pessoas, quando veem a burocracia, já agradecem e não entram mais em contato, porque talvez estejam agindo no impulso do momento, na ansiedade de querer ter alguma atividade a mais.” Para quem segue interessado, é bom saber que, apesar do comércio estar interrompido, os cuidados com animais são considerados atividades essenciais, não sendo difícil encontrar ração, vacina, medicamentos e mesmo atendimento veterinário no período de isolamento.

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“Eu sempre indico para as pessoas: tenham um peludinho. Um gato, um cachorro, ele vai transformar a sua vida e trazer muitas coisas boas. Ele vai esperar você chegar em casa, vai te olhar quando você estiver dormindo, vai te seguir pelos cômodos da casa te admirando. Eles são o significado de amor, de amizade, parceria eterna, não só nesse momento de solidão. O sentimento de dar e receber amor é muito importante não só na quarentena.”

Graziele tem razão. De acordo com a veterinária Thais Matos, da DogHero, o convívio com animais de estimação estimula a produção e a liberação de endorfina e serotonina, o que proporciona sensação de bem-estar e relaxamento. Já para o psicólogo Abel Antonio Pinto, que atende pelo GetNinjas, aplicativo de contratação de serviços, é fato que o isolamento social pode desencadear transtornos mentais como crises de pânico, ansiedade, elevação da pressão arterial, sentimento de solidão, pensamentos obsessivos e compulsão alimentar. “O animal dependerá exclusivamente do cuidado do tutor e isso faz com que a pessoa se sinta útil, aumentando sua autoconfiança”, conclui.

Quando dá errado

Tanto Juliana quanto Graziele enfatizam quão dramático para os animais é um processo de devolução ou abandono. Por isso, ambas reforçam as orientações com relação à retirada do animal de um abrigo. “Aqui tem o mínimo: comida, água, areia, sachê, segurança e cuidados com a saúde. Não tem carinho 24 horas, não tem cama quentinha com humano fazendo dengo na orelha, não tem rotina específica, não tem luxos. Imagina um animal saindo daqui e ganhando tudo isso: cama, carinho, rotina, atenção, acostumando-se com o cheiro, a voz, o toque, para depois, por algo que ele não fez, ter que voltar para esse lugar”, reflete Juliana.

Ela conta o caso da Damasco, uma gata abandonada num saco de lixo com cinco filhotes, resgatada no bairro Jardim Ângela. “Levou dias até que ela me deixasse olhar para ela e meses até que eu conseguisse me aproximar. Era desconfiada, insegura, amedrontada, mas em hipótese alguma ela deixava os filhotes. Todos foram doados e só quando ficou apenas ela é que conseguimos acarinhar. Foi adotada agora na quarentena e ainda está em fase de adaptação. Está indo bem, mas olha como demora a recobrar a confiança de um gato.”

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Com frequência, felinos manifestam problemas físicos em decorrência de estresse muito rapidamente. Foi o caso do Algodão Doce que, carinhoso e esperto, foi adotado e devolvido em uma semana. A adotante alegou que o gato miava demais. “Chegou aqui mudo, em dois dias teve febre, precisou de medicações e exames, até que descobrimos que ele não tinha nada além de estresse. Ficamos com ele mais um bom tempo até que fosse novamente adotado. A nova dona disse que ele nunca deu trabalho miando excessivamente, nunca fez nada de anormal e se acostumou com a gatinha e a cachorrinha dela super rápido.”

De acordo com levantamento do Instituto Pet Brasil, a população de animais domésticos no Brasil é de 140 milhões de animais, entre cães, gatos, peixes, aves, répteis e pequenos mamíferos. A maioria é de cachorros (54,2 milhões) e felinos (23,9 milhões), num total de 78,1 milhões de animais. Destes, 5% são Animais em Condição de Vulnerabilidade (ACV), o que representa 3,9 milhões de pets vivendo sob tutela de famílias abaixo da linha de pobreza ou que vivem nas ruas, mas recebem cuidados de pessoas. Não estão incluídos no estudo os animais efetivamente abandonados.

Com a pandemia causada pelo novo coronavírus, uma situação imprevisível aconteceu: em Wuhan, epicentro da contaminação, muitas pessoas deixaram seus lares e se abrigaram em outros locais durante a quarentena, largando seus animais de estimação em casa com comida e água para alguns dias, esperando voltar logo. Com o prolongamento da situação, muitos animais precisaram de resgate ou morreram de inanição. Outros tantos foram abandonados ou sacrificados em função do pânico de contaminação pelos animais, apesar dos alertas de que não foram notificados casos de contaminação direta de animais para humanos. A essas dificuldades, somam-se os preconceitos tradicionais: há quem diga que gato preto dá azar e por isso esse perfil sobra nos abrigos.

Quem decide seguir com a adoção neste momento ainda precisa avaliar que, além da adaptação física do espaço, o morador de quatro patas exigirá paciência e aceitação, já que cada animal tem uma personalidade única. O Gouda, por exemplo, chegou como um furacão na casa da pedagoga Thayná da Fonseca, 26 anos. “Ele sobe em tudo, derruba as coisas no chão e entra no quarto do meu filho para pegar os brinquedos e sair correndo”, ela conta rindo. A família de Thayná, composta pelo marido e o filho de seis anos, estava sentindo o impacto do isolamento social e tinha apenas o gato Mimi, quieto e reservado, como companhia. Então decidiram adotar mais um.

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“Com a chegada do Gouda a pressão baixou bastante com o meu filho. Ele está em casa sem contato com outras crianças e agora parou de chorar pedindo para sair. Até o Mimi está mais carinhoso, passa o dia brincando com o Goudão e um dá banho no outro. Eu também dei uma melhorada no emocional. Como sou professora, dou aulas remotas e o Gouda aparece durante as lives, encantando as crianças.”

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