Morar Com The New York Times

Um piano dá uma péssima mesa de centro

Objetos amados trazem vida para nossos lares e é por isso que às vezes ficamos irracionalmente ligados a certas coisas, mesmo quando não faz sentido mantê-las

Por: Ronda Kaysen, The New York Times 04/06/2019 6 minutos de leitura
Crédito: Trisha Krauss

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Meu pequeno piano de cauda tem mais tempo na minha casa do que eu tenho de vida. Quando meu marido e eu compramos nossa primeira casa na véspera de Ano Novo, há seis anos, ele estava mais ou menos no mesmo lugar que ocupa hoje: no centro da sala de estar. O piano – fabricado pela Kranich and Bach, empresa extinta de Nova York que já foi popular por sua linha de pianos de cauda compactos conhecidos como “Grandettes” – pertencia aos antigos proprietários do imóvel – uma família com três filhos que viveu aqui durante meio século. A mulher tocava todo dia até morrer, segundo me contou o marido. Foi o piano dela desde a infância e levaram com eles quando se casaram.

Quando eu falei com o marido, ele provavelmente estava perto dos 90 anos, vivendo na Flórida, e não tinha mais o que fazer com aquele piano. Imagino que os filhos do casal, adultos há tempos, tenham recusado a oportunidade de ficar com ele. Já eu fiquei encantada, comovida pelo legado histórico deste instrumento e seu espaço no lugar onde criaríamos nossas crianças. Quando visitamos a casa, o piano era a única peça do mobiliário que sobrou. Parecia tão elegante ali sozinho e, sem mais nada na sala, não pareceu tão grande para mim. Como eu poderia jogar fora algo que esteve aqui durante tantas décadas?

Meu marido, que realmente toca instrumentos musicais, ao contrário de mim, sabia exatamente como recusá-lo. “É grande demais para a sala”, disse ele. Mas onde meu marido viu uma obstrução gigante, eu via apenas romance. Imaginei nossos filhos, à época um bebê e outro em idade pré-escolar, aprendendo a tocar. Imaginei uma casa cheia de música, com alguém (não eu, mas alguém) tocando canções de Natal quando chegasse a época. Assim, como eu sei ser persuasiva, nós ficamos com ele. No dia da mudança, dois impacientes encarregados da mudança largaram nosso sofá azul de frente para o piano, no único lugar onde ele cabia.

Sentei no sofá e contemplei as pernas grossas daquilo que de repente parecia um objeto chocantemente alto. Não tínhamos mais espaço para uma mesa de centro. Só sobrou espaço para duas mesas de canto, uma poltrona e a televisão. Meu marido estava certo, é claro. Aquilo não cabia. Nos anos que se seguiram, eu aprendi quatro verdades sobre pianos de cauda compactos.

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  1. “Compacto” é uma palavra peculiar para um objeto de quase 1,5 metro de largura na parte mais comprida e quase 1 metro de altura.
  2. Pianos compactos são uma fonte natural de conversa entre visitas, que sempre vão dizer a você para nunca se livrar do seu. (Isso é especialmente verdade no caso das pessoas que não têm pianos de cauda compactos.)
  3. Pianos de cauda compactos são péssimas mesas de centro.
  4. Pianos compactos emitem o som mais bonito que você pode imaginar e quando seu filho aprender a tocar a música do seu casamento em um deles, você vai esquecer todas as suas reclamações e parar tudo para escutá-lo.

Logo depois de nos instalarmos, eu descobri uma razão prática para uma família se livrar de um piano: porque ele é inútil. O que acontece é que a Kranich and Bach fabricava instrumentos detalhistas de difícil manutenção, apesar do som rico. E os nossos precisavam de cuidados. Nós gastamos em torno de US$ 400 para arrumá-lo, um investimento que o afinador nos disse que nos daria coisa de cinco anos a mais de vida em um instrumento que, segundo ele, era bom o bastante para um estudante.

Logo encontramos um professor, um jovem pianista australiano cujo entusiasmo inspirou meu filho a treinar e tocar. Ele estava empolgado. Nossa casa zumbia com os sons toscos e sem jeito do aprendizado. E ele continuou a tocar, mudando de professores no caminho, para uma mulher da Geórgia com um forte sotaque do leste europeu que trouxe os calorosos compositores russos para nossa casa. Depois vieram outros instrumentos. Um violino para nosso filho. Uma guitarra para nossa filha.

Viram só? Eu estava certa! Coloque um instrumento no meio da sala e alguém vai pegá-lo. Com o passar dos anos, porém, mais teclas quebraram. Foram necessários mais reparos. Filhos crescem, quartos não. E o espaço apertado da sala de estar só diminuiu. Quanto melhor meu filho ficava, mais ele conseguia escutar o piano se esgotando sob seus dedos ágeis. O que fora um dia o objeto de sua incansável devoção se tornou uma fonte de frustração, sempre que um pedal quebrava e as teclas ficavam presas. Nós pagamos por mais consertos, apenas para ver outras teclas quebrarem.

Meu marido e eu começamos a imaginar outra vida para nossa sala de estar, com móveis – e uma mesa de centro! – suficientes para entreter. Talvez, eu sugeri ao meu filho, nós pudéssemos nos livrar do piano e investir em algo com um tamanho mais razoável. Um piano de console ou de estúdio — o que eu sempre achei que fosse um piano vertical, por exemplo, poderia ficar na parede, dando espaço para outros móveis. Com o tempo, ele também entendeu que talvez fosse hora de mudar. “Eu quero espaço para correr”, disse ele, finalmente.

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Mas objetos em uma casa – até mesmo os improváveis que você possa ter herdado – são o que dão vida a uma casa, que é o porquê de você talvez se tornar irracionalmente apegada aos objetos até mesmo quando não faz mais sentido mantê-los. Pianos, particularmente, conseguem transformar amigos e familiares em aliados que vão inexplicavelmente sair em defesa deles. Dizer a alguém que você quer se livrar de um piano é quase como dizer que você está planejando jogar um diamante no lixo. Até mesmo possíveis compradores pareciam alarmados com nossa decisão.

No começo de dezembro, nós postamos o piano no Marketplace do Facebook, oferecendo-o de graça a qualquer um que pagasse o custo da mudança. Uma pessoa respondeu ao anúncio dizendo apenas “Você não está falando sério. De graça?” A primeira pessoa a vê-lo, um jovem músico de jazz, me disse que eu deveria ficar com ele. Eu disse que nós precisávamos do espaço. Ele disse que a sala dele era ainda menor que a nossa, e então, talvez percebendo o tamanho da decisão, não levou.

Eu me perguntava se nós estávamos cometendo um erro e me senti culpada por abandonar o piano para um estranho que talvez não soubesse apreciar o valor dele como eu. Tirei o anúncio do ar, peguei a trena e comecei a trabalhar, atrás de um jeito de fazer o piano caber em algum lugar. Meu marido, disposto a me agradar uma última vez, pacientemente me ajudou a tentar todos os arranjos possíveis. Mas nenhuma configuração fazia sentido.

Em uma casa pequena, os quartos geralmente têm de servir para mais de uma coisa. Nosso piano, eu entendi, estava nos impedindo de usar uma sala central de todas as maneiras que precisávamos. “Eu não doaria um instrumento bonito se o lugar dele fosse aqui”, disse meu marido. “Mas o desse não é.” Na tarde seguinte, ele e eu fomos a uma loja de móveis e compramos um sofá, cadeiras e uma mesa de centro novos (finalmente!). A próxima coisa que vamos comprar é um console ou piano de estúdio.

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Por sorte, no caso do nosso Grandette, os itens novos têm prazo de entrega, o que nos dá seis semanas de folga. Até lá, teremos achado um lugar novo para ele, idealmente onde algum outro estudante possa aproveitar ainda mais o tempo de vida dele. Esperamos que nosso piano nos perdoe. / TRADUÇÃO DE FABRÍCIO CALADO

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