Loteamento Urbano

Estudo indica desigualdade territorial em favelas brasileiras

Pesquisadores da Universidade Federal Fluminense investigam segregação marcada por renda e cor nas cidades/ Crédito: Getty Images
Breno Damascena
22-11-2023 - Tempo de leitura: 3 minutos

Poucas características definem tanto as cidades brasileiras quanto os contrastes. Enquanto os mais ricos vivem em grandes propriedades cercadas por muros altos e nas melhores regiões da cidade, os mais pobres se amontoam em cortiços, casas pequenas e comunidades afastadas. Um estudo da Universidade Federal Fluminense (UFF) mostra que mesmo dentro das favelas, habitualmente conhecidas por habitar populações mais carentes, as discrepâncias sociais e a desigualdade geográfica se mantêm vivas.

“O senso comum tem a percepção de que as favelas são áreas homogêneas e estão alheias aos sintomas do mundo. No entanto, existe, sim, variação de renda, ainda que essas diferenças não sejam são tão significativas quanto no restante da cidade”, contextualiza a pesquisadora Camila Carvalho, arquiteta e urbanista à frente do estudo. 

Ao lado de Vinicius Netto, professor de Arquitetura e Urbanismo da UFF, ela analisou dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 42 favelas e notou que existem marcadores de segregação nestas áreas. Na prática, o estudo indica que existem agrupamentos de pessoas com mais ou menos recursos financeiros dentro das favelas e essas diferenças se traduzem em aspectos objetivos. 

A renda mensal per capita nas favelas analisadas é, em média, 110 dólares (cerca de R$ 539) maior nos aglomerados de alta renda, por exemplo. Nestes grupos de rendimentos elevados, 36% dos moradores são pessoas brancas. O número cai para 27% nos grupos de baixo rendimento mensal. De acordo com o Data Favela e a Central Única das Favelas (Cufa), 67% das pessoas que vivem em favelas são negras.

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Ou seja, as áreas de alta renda das favelas têm uma proporção maior de pessoas brancas. “O cenário reflete algo que já é visto na zona sul do Rio de Janeiro, por exemplo, onde moradores brancos moram em áreas com mais acesso a serviços”, compara Camila. E o estudo mostra que a valorização dos imóveis nas favelas também é produto deste ambiente com contrastes espaciais.

O privilégio da localização

O estudo aponta que as diferenças de moradia entre estes dois grupos de rendimento (mais pobres e mais ricos) dentro das favelas se relacionam com as condições de acessibilidade, tanto as áreas internas da comunidade quanto com o restante da cidade. “Nas áreas mais altas das favelas verticais, moram as pessoas de mais baixa renda. Já perto das vias principais e de acesso às cidades, vivem os moradores de mais alta renda”, ilustra Camila.

Essas vantagens de localização são expressas em valores de terras. A proximidade de áreas formais significa estar mais perto de pontos de ônibus, estações de metrô e outras instalações, o que tende a aumentar o preço dos imóveis. Topografias difíceis ou próximas de áreas de risco, como margens de rios sujeitas a inundações, tornam essas terras menos atrativas para o mercado formal.

“As favelas são áreas imobiliárias informais em si mesmas e se comportam como mercados. Elas são integradas como um mercado informal único dentro de uma cidade, o que significa que os preços praticados numa determinada favela afetam os preços praticados noutras na mesma cidade”.

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Carvalho & Netto, 2023

“A renda também apresentou correlação com o acesso à esgoto, água e coleta de lixo. Nas áreas que comportam mais brancos e pessoas com renda mais alta, mais pessoas usufruem destes serviços”, acrescenta a pesquisadora. “A segregação residencial em assentamentos informais mostra que as favelas possuem geografias socioeconômicas complexas e semelhantes aos encontrados em outros pontos da cidade”, finaliza.