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Os caminhos da Linha Laranja
Iniciativa vai aumentar mobilidade na zona norte de São Paulo, em que moradores ainda sofrem com transporte público
Por: Breno Damascena . 31/08/2022 - 7 minutos de leitura
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Pouco mais de 10 quilômetros separam a Brasilândia e o bairro da Liberdade, em São Paulo. No entanto, quando se compara a estrutura urbana, social e de mobilidade, as duas regiões parecem pertencer a mundos bem mais distantes. A futura Linha 6-Laranja do metrô promete encurtar esse trajeto, e gera expectativas na população; porém, o caminho até lá parece que vai ser longo.
A iniciativa alimenta propostas políticas e debates há mais de uma década, mas apenas quando os gigantescos canteiros de obra começaram a se espalhar pela cidade que os moradores sentiram, de fato, os ares do progresso. “A mobilidade vai melhorar a vida das pessoas, estimular o comércio e valorizar os imóveis”, acredita Tiago Silva, morador em uma casa nas redondezas da futura Estação Brasilândia.
Para chegar ao trabalho, em Pinheiros, o analista de sistemas utiliza o carro, mas afirma que, se o metrô estivesse disponível, ele seria sua opção prioritária. “Em dias de rodízio, preciso pegar dois ônibus, em cada trajeto. É mais de uma hora e 20 minutos para ir e o mesmo tempo para retornar”, comenta. Com previsão de inauguração em 2025, a proposta da Linha 6-Laranja é justamente diminuir esse tempo.
Serão 15 estações (veja quadro abaixo) em um percurso de 15,3 quilômetros, que vai atravessar o Rio Tietê, passar pela zona oeste e desembocar na Estação São Joaquim, na Linha 1-Azul, no centro. A estimativa é de que a linha transporte cerca de 633 mil passageiros, por dia.
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“Essa viagem dura cerca de uma hora e meia de ônibus. Com o metrô, o tempo será reduzido a apenas 23 minutos”, afirma Nelson Bossolan, CEO da Linha Uni, instituição responsável por tocar o projeto.
Fato é que a linha abre portas para que os moradores da zona norte acessem com mais facilidade o restante da cidade. É isso que pontua Maria Cristina da Silva Leme, professora de arquitetura e urbanismo da USP.
“As áreas delimitadas pelos rios têm menos conexão com a parte central de São Paulo, onde ficam as principais empresas, locais com mais empregos e acesso a serviços”.
Professora da FAU USP
“O metrô também é o meio de transporte com maior precisão de horário. E é ótimo para quem gasta muito tempo e dinheiro para chegar aos lugares”, complementa a professora. “Quanto mais for para a periferia, melhor”, arremata. O que se vê, portanto, é que os benefícios do empreendimento são notórios, mas, desde que ele começou a ganhar forma, se discute o impacto das obras para além da mobilidade.
Muito além do ir e vir
Assim como outras obras grandiosas da maior metrópole do Brasil, a Linha Laranja é um projeto envolto em polêmicas.
A Concessionária Linha Universidade, atual responsável pelo empreendimento, assumiu o projeto em julho de 2020, quase quatro anos depois que o consórcio vencedor da primeira licitação alegou dificuldades para arrecadar recursos com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
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Foi nesse período de hiato que surgiu o “Movimento Metrô Brasilândia Já”, que reuniu moradores do bairro para protestar pelo fim das paralisações e contra o formato de concessão.
“A empresa responsável pela obra, por estar se beneficiando de incentivos públicos, deveria investir em melhorias para a região. Poderiam estar construindo parques ou áreas de lazer, por exemplo”, defende o arquiteto Ênio Silva, um dos integrantes da iniciativa.
Ele conta que, após a retomada das obras, o grupo recuou os protestos, mas estão debatendo se retomam o contato com o governo, depois das eleições. Até lá, Silva argumenta a favor da importância do metrô para a região.
“O trânsito, atualmente, afunila, passando do Rio Tietê. E, além de diminuir o uso do carro, o metrô pode fazer com que o Poder Público invista mais no bairro, trazendo opções de lazer, cultura e educação.”
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“Os trabalhos na linha geram cerca de 9 mil empregos diretos e indiretos. Dos 4 mil trabalhadores diretos, 470 são mulheres”, defende Bossolan, CEO da Linha Uni. “A melhora no transporte público é só um dos benefícios. Dentre eles estão o desenvolvimento das regiões que serão conectadas, a geração de emprego, o aumento na demanda, a oferta de serviços locais, a mudança no estilo de vida das pessoas por meio da diminuição no tempo de deslocamento e a redução do CO2”, alega.
![](https://imoveis.estadao.com.br/wp-content/uploads/2022/08/estacoes-da-linha-laranja-1.png)
No ritmo das obras da Linha Laranja
No jogo de tabuleiro que é o mercado imobiliário de São Paulo, ganham pontos os bairros que recebem uma estação de metrô. E muitas peças já começaram a se movimentar desde o início das obras da Linha-6 Laranja. As incorporadoras não escondem o interesse por regiões abraçadas pelo transporte público. No entanto, há que se destacar que nem todos os lugares estão recebendo a mesma atenção.
Com um custo previsto em, aproximadamente, R$ 18 bilhões, segundo estimativa da própria concessionária Linha Universidade, responsável pelo projeto, a Linha Laranja é apresentada como o maior projeto de infraestrutura em andamento da América Latina.
A expectativa da companhia e do Poder Público é que esse gasto se traduza em transformações positivas para a cidade, além da melhoria da mobilidade.
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“O Metrô é muito potente para criar empregos e para mudar os lugares”, sintetiza Maria Cristina da Silva Leme, professora de arquitetura e urbanismo da USP. Ela acredita que essa transformação acontece por causa do Plano Diretor da cidade, que estimula o adensamento populacional e construtivo próximo às regiões com boa estrutura de transporte público.
![Imagem de um gráfico mostrando lançamentos residenciais em até 1 km ao redor das futuras estações da linha laranja.](https://imoveis.estadao.com.br/wp-content/uploads/2022/08/grafico-de-construcoes-nas-estacoes-de-metro.png)
Prova disso são os empreendimentos em construção que, hoje, já fazem parte da paisagem do entorno de futuras estações, como Sesc Pompeia, 14 Bis e Perdizes. Localizado a 450 metros de onde será a nova estação do bairro, o Cardoso 432 é um dos frutos desse desenvolvimento.
“A proximidade do metrô foi um fator determinante para decidirmos o local”, confirma Cyro Naufel, diretor institucional da Imobiliária Lopes.
Rafael Mattioli, gerente comercial da MPD Engenharia, empresa à frente do Hera Perdizes, localizado nas redondezas da estação, corrobora a importância da linha. “A escolha do local foi baseada em uma série de fatores, como localização, público-alvo e opções de lazer, mas a proximidade do metrô agrega valor ao produto”, afirma.
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E a transformação do rio para lá?
Enquanto o mercado imobiliário promove uma série de transformações nos bairros do centro expandido, do outro lado das fronteiras físicas e invisíveis do Rio Tietê, a expansão dos prédios ainda caminha a passos lentos. Um levantamento realizado pela Secovi-SP para o Estadão mostrou que, mesmo após o anúncio do metrô, a construção de empreendimentos nas regiões periféricas é um movimento tímido.
![Na imagem, vemos um mapa de lançamentos de empreendimentos em torno das estações da linha laranja.](https://imoveis.estadao.com.br/wp-content/uploads/2022/08/Mapa-de-lancamentos-no-entorno-da-Linha-Laranja.-SECOVI-SP-1024x631.jpg)
Para ter ideia, de 2015 a junho de 2022, 18 lançamentos residenciais foram inaugurados a até 1 quilômetro da Estação Sesc Pompeia do metrô. No mesmo período, apenas cinco foram lançados ao redor da Estação Freguesia do Ó, seis da Itaberaba e dois da Brasilândia. Mesmo com números não tão promissores, os moradores desses bairros acreditam numa mudança.
A crença dessa transformação pode estar encontrando abrigo em empresas que abriram os olhos para a região. É o caso da Tarjab, incorporadora responsável pelo empreendimento Origem, localizado a cinco minutos da futura Estação Itaberaba, na Freguesia do Ó. “Sabemos que os transportes coletivos facilitam ainda mais o dia a dia do futuro morador”, justifica Leandro Domingues, gerente de produto da companhia.
Para o aposentado Orlando Antoniasi, morador na Brasilândia, o sentimento é de que as coisas vão mudar aos poucos. “O progresso está vindo, e a gente vai crescer junto com ele”, resume. É difícil prever, no entanto, até qual lugar do mapa a evolução promovida pela Linha Laranja tem potencial para alcançar.
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![O aposentado Orlando Antoniasi é um homem branco de cabelos brancos que mora perto da futura estação Brasilândia.](https://imoveis.estadao.com.br/wp-content/uploads/2022/08/Orlando-Antoniasi-mora-perto-da-futura-estacao-Brasilandia-e-acredita-que-o-metro-e-um-sinal-de-progresso-no-bairro-1024x576.jpg)
O local que vai receber o Pátio Morro Grande – que deve funcionar como uma espécie de garagem e espaço de manutenção para os trens –, por exemplo, ainda parece estar alheio a esse desenvolvimento. Entre terrenos vazios, barulho incessante das construções e vários carros dos funcionários estacionados nas ruas, o que se vê são casas muito simples e o clima interiorano ao redor do imponente canteiro de obras.
Em uma dessas residências vizinhas ao terreno, vive Ramildson Ferreira. “Aqui é muito carente em relação ao transporte, e o metrô vai ser fundamental para melhorar nossa região”, celebra. Ele garante que não se incomoda com o barulho, pois tenta ser tolerante e compreensivo com as transformações. “Eu coloco na balança. E acredito que, no fim, vai tudo valer a pena.”
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