Tanto quanto uma questão de política pública, as smart cities se tornaram uma oportunidade de fazer negócios/ Crédito: Getty Images
Breno Damascena 08-09-2022 - Tempo de leitura: 6 minutos
A sociedade humana é uma obra em progresso. Fruto desse ambiente de constantes transformações e inovações tecnológicas, as cidades inteligentes são um caminho para espaços urbanos mais conectados, eficientes e sustentáveis. Impulsionadas pelo contexto, as startups para cidades inteligentes se apresentam como atalhos para o tal futuro, mas o movimento ainda exige cautela.
O tema não é novo. Aliás, em meio a tantos debates em torno do conceito, é até difícil encontrar unanimidades e certezas. O mais próximo disso é o substantivo eficiência.
“Cidades inteligentes são cidades que conseguem utilizar todos os recursos disponíveis, sejam eles técnicos, sejam humanos, sejam administrativos, para a construção de um lugar melhor”, contextualiza Renato Cymbalista, professor da FAU-USP.
Tanto quanto uma questão de política pública, as smart cities se tornaram, então, uma oportunidade de fazer negócios.
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Em uma espécie de corrida para surfar nesse oceano de possibilidades, nasceram startups para cidades inteligentes de diversos formatos, segmentos e modelos de atuação. Desde mobilidade e infraestrutura urbana, passando por saneamento, até gestão governamental, os empreendimentos se propõem a descomplicar práticas atuais.
Esse é o caso da Stattus4, startup que utiliza inteligência artificial e ferramentas de IoT (internet das coisas) para identificar vazamentos de água em encanamentos. Enquanto o procedimento tradicional depende de denúncias de moradores de bairros sofrendo com vazamentos, a ferramenta criou um dispositivo, que é acoplado aos hidrômetros, para coletar os ruídos.
“Mapemos a cidade para entender a distribuição de água e calcular consumo e pressão com base nos sons que os hidrômetros fazem. Nossa ferramenta compara esse barulho com outros para entender se tem algo errado”, exemplifica Juliana Lara, coordenadora de vendas da empresa.
“Atendemos companhias privadas de distribuição e governos, acelerando um processo que manualmente demoraria muito mais”, alega.
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Coleta e análise de dados
O levantamento Smart Cities Distrito Report, divulgado, em 2020, pelo hub de inovação Distrito, apontou 166 startups voltadas à mobilidade urbana no Brasil. Diante da velocidade de mudança do setor, é provável que o número seja bem maior atualmente, mas o estudo ajuda a ilustrar que o volume de investimentos nesse mercado tende a seguir uma linha progressiva de crescimento.
É isso que prevê Gustavo Araújo, CEO do Distrito. “Tudo o que impacta de maneira positiva a qualidade de vida das pessoas que vivem nas cidades deve ser destacado”, acredita.
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O celular democratizou a conectividade. Pessoas, empresas e órgãos públicos estão constantemente conectados, e essas conexões geram dados que ajudam as startups a encontrar soluções. É um grande ecossistema para eliminar ineficiências.
Gustavo Araújo CEO do Distrito
“O celular democratizou a conectividade. Pessoas, empresas e órgãos públicos estão constantemente conectados, e essas conexões geram dados que ajudam as startups a encontrar soluções. É um grande ecossistema para eliminar ineficiências”, acredita.
Os dados são importantes como ouro nesta era da hiperconectividade. Eles direcionam campanhas eleitorais, norteiam estratégias de empresas e, entre muitas outras coisas, definem políticas públicas. É dessa perspectiva que se alimenta a Bright Cities, uma startup especializada em consolidar dados para identificar melhorias de transformação nas cidades.
Na prática, a companhia reúne informações de diversas fontes oficiais e oferece diagnósticos consolidados às cidades. Tudo isso de forma automatizada. “Nosso objetivo é ajudar a direcionar os investimentos públicos em melhorias. Entendemos que a principal dor do gestor governamental é saber por onde começar”, afirma Raquel Cardamone, CEO da Bright Cities.
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Apresentando-se como uma govtech, a companhia provém dados para que prefeituras, governos estaduais e federais possam definir gastos e melhorias nas cidades. “Nosso objetivo é melhorar a eficiência do setor público”, garante Raquel. “Por falta de cultura de inovação, ainda existem muitas burocracias e obstáculos para quem atua nesse segmento, mas estamos em um caminho de adaptação.”
Alguns problemas que startups buscam resolver para construir cidades inteligentes
Mobilidade
Infraestrutura
Meio ambiente
Operações municipais
Logística de transporte
Gestão de resíduos
Planejamento e gestão de políticas
Comunicação ineficiente com a população
Serviços urbanos
Reduzindo barreiras com startups para cidades inteligentes
Democratizar acessos, facilitar práticas e impulsionar mudanças são movimentos típicos das startups. Tão naturalizadas no cotidiano, elas, hoje, fazem parte da rotina dos brasileiros que usam redes sociais, pedem comida por delivery ou utilizam aplicativos de transporte. É natural, portanto, que busquem participar do movimento de cidades inteligentes, e o uso da tecnologia é fundamental nesse processo.
“A tecnologia tem o potencial de aproximar pessoas e de aproximar o governo das pessoas. Ela possibilita que a gente consiga reconhecer e transformar nossos próprios recursos”, pontua Renato Cymbalista, professor da FAU-USP. “Entre outras vantagens, os moradores usam grupos online para organizar ações ou denunciar o recapeamento malfeito no bairro. Certamente a cidade ficaria pior sem esses recursos”, exemplifica.
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Para ele, no entanto, a tecnologia também apresenta riscos e existe um equívoco quando se pensa que as cidades inteligentes são aquelas que tentam resolver tudo por aplicativos. “Sem cuidado, as inovações podem transformar a cidade numa distopia. O uso descontrolado de câmeras de reconhecimento facial como estratégia de controle, por exemplo, pode diminuir nossa liberdade”, alerta Cymbalista.
O saldo do professor sobre as startups para cidades inteligentes é que elas não podem ser utilizadas apenas para enriquecer os empreendedores e investidores. “Os benefícios têm que chegar à sociedade, de fato”, aconselha, antes de apontar o que considera a melhor qualidade desse ecossistema. “São pessoas dispostas a correr riscos para desenvolver soluções inovadoras. Para o Estado, esse tipo de risco é praticamente impossível”, arremata.
É nesse viés de tomar riscos que o empreendedor Carlos Castro, CEO do Apepê, se apoia para tentar transformar a relação das pessoas com seus condomínios residenciais. A startup utiliza recursos tecnológicos para simplificar atividades comuns. Um mural de avisos digital, armários inteligentes que automatizam o recebimento de encomendas e supermercados sem funcionários são algumas das funcionalidades disponíveis.
Ele explica que uma das estratégias da marca é oferecer um período de teste para os gestores dos empreendimentos avaliarem os benefícios. “O mercado condominial é burocrático. Se formos pelo método tradicional, não vamos conseguir entrar”, critica. “Por isso, apostamos na usabilidade e oferecemos uma amostra grátis. A gente assume os riscos; não tem outra alternativa”, aponta.
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Para alcançar os resultados esperados, o empreendedor acredita que tem um trunfo nas mãos. “Você namora, escuta música e pede comida no meio digital, mas a relação com nossa casa ainda é analógica. A cidade inteligente é aquela em que o desenvolvimento urbano e as tecnologias estão integrados para gerar eficiência em todos os cantos”, conclui.
A volta para casa
Quem vive em metrópoles como São Paulo e trabalha longe de casa já se acostumou com os congestionamentos quilométricos que cortam várias regiões da cidade. O quadro é tão sintomático que motiva debates governamentais, alterações no Plano Diretor e, como era de se esperar, inovações de tecnologia. Tentar diminuir a dor de cabeça que o trânsito proporciona foi um dos motivos que provocou o nascimento da Tembici.
A startup de bicicletas compartilhadas se propõe a melhorar o fluxo de pessoas na cidade por meio de rotas inteligentes, integração e infraestrutura. “A cada cinco viagens, uma começa ou termina em modais de ônibus e metrô. É uma prova da acessibilidade e da mobilidade inseridas na rotina das pessoas”, argumenta Gabriel Reginato, diretor de negócios da Tembici.
Com o uso de inteligência artificial, a companhia identifica padrões e reposiciona as bicicletas de acordo com a demanda. “Se tem, por exemplo, um grande engarrafamento na Faria Lima, a gente realoca mais bikes lá. Queremos estar no lugar certo, no horário certo e para as pessoas certas”, ilustra Gabriel. “Essa é uma das maiores vantagens das startups para cidades inteligentes: elas são mais ágeis para implementar mudanças e criar experiências agradáveis aos cidadãos”, acredita.