OPINIÃO: Juros altos, memória longa e o valor da decisão certa
Bruno Sindona é fundador da holding Sindona

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Iniciei minha jornada no mercado imobiliário com um lançamento em setembro de 2008. Logo fui brindado pela crise do subprime — que, à primeira vista, parecia um tsunami, mas que, para o desenvolvimento imobiliário, acabou sendo apenas uma marola. No meu caso, o grande dique que conteve aquela onda foi a criação do programa Minha Casa Minha Vida.
Munido da experiência precoce de quem começou jovem, segui navegando por águas ora calmas, ora agitadas, até encontrar um verdadeiro iceberg em 2015. Esse iceberg tinha nome e sobrenome: juros altos e crise dos distratos. Ainda me lembro, com nitidez, do dia em que fui tentar negociar uma operação com um dos bancos que me financiava.
Ao chegar à agência, encontrei uma folha de papel sulfite pregada na porta, informando que o setor havia sido encerrado e que, dali em diante, qualquer tratativa deveria ser feita diretamente na matriz. Aquilo simbolizava muito mais que uma mudança operacional: era o retrato de um sistema financeiro em retração e de um mercado que perdia o chão.
Tomei uma decisão que moldaria minha trajetória dali em diante: só faria incorporações vinculadas ao programa Minha Casa Minha Vida. Entendi que, por se tratar de uma demanda estrutural, a moradia popular, haveria mais segurança, mesmo sob o risco de governos que vez ou outra negligenciam a habitação de interesse social.
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Olhando para trás, vejo que foi a decisão certa. Estamos em 2025 e não enfrentamos uma crise de distratos. As vendas ainda não caíram. Os preços tampouco. Mas um daqueles dois vilões retornou: os juros absurdamente altos que se abatem sobre o setor e sobre o Brasil.
Digo absurdo porque entendo os juros como o preço do risco de um país, empresa ou pessoa. Ora, em 2015 a inflação batia 10%, o governo sofria ameaças claras de interrupção, a Operação Lava Jato estava em seu auge, o déficit público em franca escalada, enquanto o PIB e a arrecadação afundavam.
Hoje, o único índice que segue trajetória levemente parecida é a inflação e ainda assim em patamar muito inferior. Se compararmos com os mercados internacionais, a distância fica ainda mais gritante.
Aprofundo essa análise para dizer que, embora o Brasil esteja longe de reviver o mesmo cenário de 2015, o mercado imobiliário está sendo alvejado por armas do mesmo calibre. Os juros altos são altamente tóxicos para o setor. São igualmente tóxicos para o cliente. E, se algo não for feito com urgência, incorporadoras correm, sim, o risco de não resistirem.
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A combinação entre obras caras, impactadas pelo aumento de insumos e mão de obra, com juros elevados para financiá-las, é nefasta. As primeiras a sofrer são as incorporadoras de médio padrão, que, além de enfrentarem desafios operacionais, têm um cliente altamente dependente de crédito imobiliário junto aos bancos privados.
Neste cenário, os bancos não apenas cobram taxas que inviabilizam o financiamento como também reduzem a disposição para aprovar crédito, devido ao aumento do comprometimento da renda do mutuário e ao risco percebido.
A Faixa 4 do MCMV veio como um bálsamo para alguns, mas o remédio é limitado e não alcança todos. Vai aliviar apenas uma pequena parte do mercado.
O que precisamos, com urgência, é de um sinal claro e firme de queda dos juros. Algo que permita o replanejamento das obras, reanime os bancos e restabeleça o apetite pelo crédito para o tomador final. Antes que os empreendimentos lançados nos últimos anos sejam entregues e encontrem um mercado com as portas fechadas.
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É hora de tratarmos os juros com a mesma seriedade com que tratamos os investimentos sociais. Porque, na prática, são a mesma coisa. A taxa de juros molda decisões de longo prazo, determina o custo da moradia, o ritmo da construção civil, o apetite dos bancos e, sobretudo, o futuro das famílias brasileiras.
O setor imobiliário não pode ser vítima recorrente de uma visão fiscalista míope que enxerga risco onde há potencial. O Brasil precisa de um pacto que alinhe política monetária com estratégia de desenvolvimento. Que veja na habitação um eixo de estabilidade macroeconômica, geração de empregos e inclusão.
Ainda dá tempo. Mas o relógio corre contra quem constrói.
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