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Juro alto derruba setor imobiliário nos EUA; modelo de financiamentos desacelera queda no Brasil

País conta o fato de a maioria dos contratos imobiliários serem de taxas pré-fixadas, o que não acontece no exterior

Por: Aline Bronzati e Circe Bonatelli, O Estado de S. Paulo 25/07/2022 7 minutos de leitura
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Sede do Federal Reserve; alta em parcelas de financiamentos reflete subida dos juros pela autoridade monetária/ Crédito: Jonathan Ernst/Reuters

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NOVA YORK E SÃO PAULO – A elevação das taxas de Juro básicos ao redor do mundo tem provocado uma perda de fôlego do mercado imobiliário em diversos países, inclusive em economias maduras como nos Estados Unidos. No Brasil, também há uma desaceleração em curso, embora o mercado local conte com artifícios para amortecer o pouso do juro alto. A resposta está no modelo dos financiamentos, de acordo com especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast.

Nos Estados Unidos, as famílias têm amargado uma perda relevante no poder de compra porque o país vem assistindo a uma elevação expressiva no valor das moradias e, principalmente, nas parcelas dos financiamentos – esta última reflete a subida dos juro básico pelo Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) para conter a inflação. Veículos de imprensa internacionais têm ressaltado que já há sinais de uma “crise de acessibilidade” a financiamentos imobiliários na maior economia do mundo.

“Tanto as taxas de financiamento quanto os preços das casas subiram muito em um curto espaço de tempo”, avalia o economista-chefe da Associação Nacional de Corretoras (NAR, na sigla em inglês), Lawrence Yun. “A queda na acessibilidade está afetando os potenciais compradores de casas.”

Em junho, os números do mercado imobiliário por lá foram piores que o esperado. A quantidade de construções iniciadas no mês recuou 2% em relação a maio, enquanto a previsão era de alta de 1,4%, levando o total de unidades a 1,559 milhão, o ritmo mais lento desde setembro de 2021. Em um ano, a queda chegou a 6,3%, o segundo mês consecutivo de baixa.

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Já nas vendas de imóveis usados, houve retração de 5,4% em junho ante maio, segundo dados da Associação Nacional de Corretoras nos Estados Unidos (NAR, na sigla em inglês). Este foi o quinto mês seguido de baixa, e o ritmo mais lento de vendas em dois anos, segundo a NAR. Na comparação com junho do ano passado, o quadro fica ainda pior: as vendas de moradias usadas diminuíram 14,2%.

A baixa nas vendas tem se refletido em demanda menor por crédito imobiliário. Os pedidos de empréstimos nos EUA caíram 6,3% na semana encerrada em 15 de julho, de acordo com a Associação dos Banqueiros Hipotecários (MBA, na sigla em inglês). Esta foi a terceira semana consecutiva de baixa, levando os financiamentos ao nível mais baixo no país desde 2000.

Enquanto as vendas e os financiamentos caem, os preços dos imóveis seguem em alta nos EUA, o que torna mais distante a compra de uma casa para as famílias norte-americanas. O preço médio de casas usadas teve aumento de 13,4% em junho na comparação anual, para US$ 416 mil, um novo recorde.

Esse conjunto de indicadores negativos aponta para uma tendência de queda ainda maior nas vendas, estima a consultoria britânica Capital Economics. A previsão é de vendas de 4,8 milhões de imóveis em 2022 – número não tão distante do piso de 4,1 milhões registrado em 2008, ano da bolha. Em junho, esse patamar já estava rodando a 5,12 milhões anualizados.

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“Com a perda de acessibilidade parecendo tão esticada quanto a crise financeira global, o sentimento do comprador de imóveis está em um poço, o que aponta para uma queda ainda maior nas vendas”, diz o analista da Capital Economics, Sam Hall.

Juro em alta

O impacto no setor imobiliário já era esperado em Wall Street. “O mercado residencial é o setor mais sensível às taxas de juro da economia, e as taxas mais altas devem ajudar a desacelerar as vendas”, avaliam os economistas Isfar Munir, Andrew Hollenhorst e Veronica Clark, do Citi.

Pesa, sobretudo, o processo de aperto monetário por parte do Fed sob a pressão da maior inflação no país desde 1981. Nesta semana, uma nova subida de juros deve acelerar ainda mais o processo de esfriamento do setor imobiliário local. Depois de aventar uma alta de 100 pontos-base em meio à disparada da inflação nos EUA, Wall Street aposta que o Fed promova uma nova elevação de 75 pontos-base no encontro de julho, empurrando os Fed Funds, que são os juros básicos do país, para a faixa de 2,25% a 2,50% ao ano.

“O Fed quer esfriar a demanda e, embora não haja evidências de rachaduras no consumo ou no emprego, eles estão claramente tendo sucesso no setor imobiliário, que é o setor mais sensível às taxas de juros da economia”, afirmam Aneta Markowska e Thomas Simons, do norte-americano Jefferies.

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Mercado brasileiro

Os dados do mercado imobiliário mais recentes no Brasil também indicam que há uma desaceleração em curso, embora analistas considerem que a deterioração não seja tão grave.

Os lançamentos de novos projetos imobiliários cresceram 2,4% no segundo trimestre de 2022 em relação ao mesmo período de 2021. As vendas líquidas tiveram leve baixa de 0,6% na mesma base de comparação. Os dados foram extraídos dos balanços das 15 maiores incorporadoras listadas na Bolsa.

Este foi o primeiro recuo trimestral visto nos últimos dois anos, após recordes de lançamentos e vendas impulsionados pelo ambiente de juros baixos. Mas, assim como lá fora, o Banco Central (BC) também está subindo os juros para conter a inflação – o que pesa sobre o setor.

“Acreditamos que os lançamentos e vendas provavelmente continuarão caindo no curto prazo, impulsionados pela deterioração da confiança do consumidor, taxas de empréstimo mais alta, inflação setorial de dois dígitos (INCC) e estoques crescentes”, apontam os analistas Daniel Gasparete e André Dibe, do Itaú BBA.

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Amortecedor de juro alto

A grande diferença é que mais da metade do mercado imobiliário brasileiro conta com taxa de juros subsidiada – que não mudam mesmo em cenário algum e garantem a atratividade para que os negócios continuam sendo feitos mesmo em tempos de crise econômica.

Os recursos usados para isso são oriundos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) – formado a partir da renda dos trabalhadores com carteira assinada – voltados para famílias de classes baixas e médias por meio do Casa Verde e Amarela (CVA).

O programa é responsável por cerca de 55% a 60% dos lançamentos e vendas do País. Dentro dele, as taxas vão de 5,25% a 8,16% ao ano, dependendo da faixa de renda da população atendida. Já as linhas de financiamento de mercado estão na faixa dos 9% ao ano. Nesse caso, os recursos para os empréstimos provêm das cadernetas de poupança, mais alinhados aos juros básicos do País.

A consequência é resiliência dos empréstimos via FGTS e maior oscilação nas linhas de mercado. “No Brasil, o impacto sobre o setor tende a ser amortecido. O FGTS sustenta o mercado imobiliário com uma taxa baixa independente da Selic”, explica o analista Bruno Mendonça, do Bradesco BBI. “É uma distorção que ajuda o setor imobiliário. Se retirar isso, você acaba com o mercado de baixa renda”.

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Isso pode ser visto nos dados de crédito imobiliário. As linhas de financiamento com recursos da poupança caíram 2,5% em maio, na comparação anual, para R$ 17 bilhões. Nos primeiros cinco meses do ano, a baixa foi de 10%, para R$ 69,65 bilhões, de acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). Já nas linhas com recursos do FGTS houve alta de 17,5% nos primeiros cinco meses do ano, chegando a R$ 22,1 bilhões.

Há também outro fator em jogo. A grande maioria dos empréstimos imobiliários no Brasil se dão com base em taxas pré-fixadas (atreladas à Taxa Referencial, que não muda ou muda pouco). Isso blinda as operações contra a alta dos juros. Já nos Estados Unidos, a maior parte das operações de empréstimos são corrigidas pela inflação ou pelo próprio juro básico, de modo que situações de piora do cenário macroeconômico atingem em cheio o crédito imobiliário.

“Lá fora, a alta dos juros se reflete quase automaticamente nas taxas de juros dos financiamentos. O estoque é pós-fixado. Então a parcela mensal sente o peso. No Brasil, a maior parte é pré-fixado. Então o estoque não sofre”, acrescenta Mendonça, explicando também porque aqui se vê menos retomadas de imóveis.

Este texto foi originalmente publicado em:
https://www.estadao.com.br/economia/alto-setor-imobiliario-estados-unidos-financiamentos-brasil/

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