Em vez de poltronas, a plateia do Teatro Oficina precisa se acomodar em bancos de madeira sem lugar marcado e dispostos de forma pouco convencional. Sem apoio de braço ou divisórias claras, quem topa assistir a um espetáculo por lá precisa lidar com os toques involuntários de ombros e pernas dos seus vizinhos. E esse incômodo é proposital. No mobiliário, na arquitetura e nas performances, o local se propõe a desafiar diversas conjunturas urbanas e a gentrificação da cidade de São Paulo.
A própria existência do Teatro Oficina tem sido responsável por potencializar debates sobre a especulação imobiliária, a transformação da cidade e o papel da cultura nesse contexto. “O teatro é um espaço de formação de público e um agente que pensa a cidade e a urbanidade, além de encabeçar um pensamento sobre o mercado”, afirma a arquiteta cênica do Teatro Oficina, Marília Piraju.
“Colocamos em cena divergências sobre o que acontece no País e buscamos soluções”, complementa Camila Mota, atriz, produtora e estrategista da companhia. A proposta de se posicionar como um símbolo de resistência patrimonial já pode ser notada quando as portas vermelhas da casa se abrem e algumas características do espaço, visíveis aos olhos, se apresentam antes mesmo do espetáculo começar. Entre elas, a disposição dos bancos, o formato do palco e uma fonte que só pode ser vista de alguns pontos da plateia.
Localizado na Rua Jaceguai, no bairro do Bixiga, o Teatro Oficina Uzyna Uzona é fruto da mente do dramaturgo Zé Celso Martinez (1937-2023) e de outros estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. A companhia se instalou no prédio atual em 1960. Ele foi reformado a partir de um projeto do arquiteto Joaquim Guedes, com a ideia de colocar duas plateias frente a frente separadas pelo palco.
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“A proposta deles era radicalizar o teatro tradicional clássico italiano, em que o público está separado do palco. O Zé Celso tinha a ideia de criar um teatro sem protagonistas, um palco de coro, da multidão”, contextualiza Guilherme Wisnik, arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Depois de um incêndio que destruiu o local, anos depois de sua construção, esse modo de ver o teatro é traduzido no ambiente.
Isso acontece na década de 1990, quando a arquiteta Lina Bo Bardi e o arquiteto Edson Elito desenvolvem o atual projeto do teatro. Inspirado no sambódromo e com influência do Living Theatre (grupo de teatro experimental norte-americano) o Teatro Oficina recria uma rua. Ainda que a estrutura metálica que sustenta os assentos esteja ali, disposta para a plateia, o espaço utilizado pelos atores engloba todo o ambiente. O palco, a plateia e a estrutura se confundem.
“Tudo aqui é cenário. É um edifício teatral que propõe a quebra da quarta parede* e a democratização do espetáculo”, diz Marília. Soma-se a isso o fato de que certos pontos do “palco-rua” não podem ser vistos de todos os cantos da plateia ou por todos os ângulos. Ou seja, para acompanhar o que acontece, o público precisa ficar de pé e se esgueirar pelo cenário, caminhar de um lado para o outro nos bastidores e até no palco.
O teatro também se caracteriza por não possuir isolamento acústico e, de frente para o palco, atrás de um vidro transparente, é possível observar o estacionamento instalado no terreno vizinho e objeto de uma disputa imobiliária entre a companhia e o empresário Silvio Santos. “Não somos um teatro fechado numa caixa preta no quarto subsolo de um shopping. Os problemas urbanos da cidade não desaparecem quando o público chega aqui”, afirma Camila.
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“Não conheço nenhum outro teatro no mundo que seja semelhante ao Teatro Oficina”, diz Wisnik. “Quando a Lina Bo Bardi passou a ser uma figura reverenciada internacionalmente, todo mundo quis conhecê-lo em visitas à São Paulo. Torço para que o teatro continue com força após a partida do Zé Celso”, acrescenta.
A conexão com a cidade já foi transformada até em título. O Teatro Oficina é tombado como patrimônio da cidade e do estado de São Paulo. Para Camila, o espaço representa uma forma de resistência no Bixiga. “O teatro movimenta a economia local e ajuda a impulsionar um modo de vida, alheio às demandas do mercado. Somos clientes dos sapateiros, das costureiras e outros pequenos negócios.”
Marcado como um dos pontos turísticos mais significativos do bairro, a companhia promete não arrefecer seu processo crítico com a morte de Zé Celso. “A especulação imobiliária fomenta uma monocultura. São prédios com pequenos dormitórios e uma visão única do modo de existir. O teatro oficina tenta estimular uma São Paulo diferente”, diz Marília.
* A quarta parede é uma expressão utilizada para definir a linha imaginária que separa os atores dos espectadores. A quebra da quarta parede é quando essa interação acontece.
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