“Em tempos de violência, concreto”. É assim que pensam as pessoas que constroem muros altos em torno da própria casa como estratégia para não ser vítima da violência urbana. Especialistas, porém, acreditam que a criação desse obstáculo de tijolo e cimento não é uma prática efetiva para inibir a ação de criminosos. Diante disso, organizações e indivíduos defendem cidades sem muros para prover segurança e bem-estar à população.
A construção de muros altos faz parte do arsenal que inclui cadeados reforçados, cancelas no portão e segurança privada como ferramentas utilizadas por moradores das metrópoles. O medo da criminalidade, ironicamente, encarcera os cidadãos e tapa seus olhos para o que está acontecendo do lado de fora do cercado. A tal busca pela criação de fortalezas urbanas pode causar justamente o efeito contrário.
É isso que explica o Renato Saboya, Professor do programa de pós-graduação de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Os muros trazem a falta de visibilidade. Eles dificultam a vigilância natural, aquela feita pelos próprios moradores que tentam enxergar o que acontece na rua”, contextualiza. “Se alguém pula o muro da sua casa, por exemplo, os outros vizinhos não conseguem ver.”
A urbanista e autora do livro Morte e Vida de Grandes Cidades, Janes Jacobs, cunhou a expressão “Olhos da Rua” para designar a ideia de que as cidades tendem a ser melhores se os moradores estiverem atentos ao que acontece ao seu redor. Ela entendia que a convivência entre as pessoas e essa vigilância tornaria melhor a rotina diária e as vivências, inclusive em relação à segurança.
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“Quando as cidades são movimentadas, com pessoas brincando na rua, passeando com o cachorro ou fazendo algo do tipo, a tendência é que as regiões se tornem mais seguras”, justifica Saboya. “Onde há uma possibilidade maior de os crimes serem vistos, a tendência é que eles sejam menos violentos. É mais difícil um assalto a mão armada acontecer em locais com muita gente”, exemplifica.
Para corroborar essa tese, o professor contabilizou a quantidade de ocorrências criminais para diferenciar áreas mais e menos bem-sucedidas em três cidades catarinenses: Joinville, Florianópolis e Blumenau. A proposta era compreender como a diversidade de usos do solo, densidade populacional e tamanho das quadras se relacionam com a taxa de ocorrência de crimes por habitantes e por endereços.
Os resultados mostraram que a renda não se mostrou relacionada à ocorrência de crimes e que setores com maior densidade possuíam, em média, menores taxas de crimes, tanto por habitantes quanto por endereços.
Mesmo com tantos pareceres indicando que uma cidade com menos muros tende a ser mais segura e agradável para seus cidadãos, é difícil ir contra o senso comum. Uma das maiores promessas de campanha do ex-presidente dos EUA, Donald Trump, era construir um muro para separar o país do México. Em São Paulo, moradores do Morumbi pediram permissão à Prefeitura de SP para a construção de um muro na divisa com o Parque Paraisópolis.
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Essa visão de mundo, na perspectiva de Saboya, é um dos principais motivos para que não tenha sido implementada ainda uma política que incentive prédios e residências mais abertas no País. “A maioria das pessoas não vê os muros altos apenas como um artifício para impedir o acesso, mas também como um elemento de proteção, ainda que, na prática, ele traga mais riscos do que segurança”, pontua.
Apesar de dizer ser difícil uma estratégia de política pública nessa direção, ele acredita que por meio de um trabalho de educação, buscando fomentar a retirada dos muros como forma de tornar os locais mais seguros, isso pode vir a acontecer. Não à toa, caminhando na contramão de condomínios fechados, alguns empreendimentos já estão nascendo com a proposta de serem abertos para a circulação.
Em uma das regiões nobres de São Paulo, o condomínio São Luiz é um dos exemplos desse olhar mais atencioso aos benefícios de uma cidade com menos muros. Localizado na Avenida Juscelino Kubitscheck, no bairro do Itaim Bibi, entre a Faria Lima e o Parque do Povo, o prédio perdeu os muros durante o projeto de retrofit. Em seu lugar, foi criado um acesso a pedestres.
“Eliminamos o muro, oferecemos mais iluminação para a calçada em volta e tornamos os acessos mais fáceis”, descreve Beatriz Verri Zan, Head de RI & Captação da Tellus, empresa responsável pelo projeto. A companhia também reformou o Edifício Passarelli, na rua Pais Leme, para criar uma abertura entre o prédio e o metrô Pinheiros, o que facilitou a vida de quem usa o transporte público.
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Beatriz acredita que a iniciativa é um diferencial positivo para os profissionais que trabalham na região. “Com uma fachada ativa, a circulação de pessoas durante a noite ficou mais segura e os trabalhadores não precisam mais dar a volta inteira no quarteirão para chegar aos meios de transporte. Isso sem contar que, ao retirar as grades em volta dos ativos, a área se tornou mais protegida”, argumenta.