“A maioria das medidas que reduzem o tráfego motorizado nas cidades melhora a qualidade de vida em muitos pontos. Quanto maior a redução, maiores os benefícios. Também é mais barato e menos poluente”, aponta.
Autor do livro Carfree Cities
De onde vem e para onde vão as pessoas? Com tanto tráfego, rodovias e congestionamentos, é difícil responder a essa pergunta com exatidão, mas, se for na capital paulista, elas provavelmente vão de carro. Pelo mundo, algumas cidades buscam alternativas para diminuir a dependência da sociedade pelo transporte individual, e uma solução está se destacando: os bairros sem carros.
Leuven, cidade com cerca de 100 mil habitantes na Bélgica, tornou-se um símbolo desse movimento. Como parte da estratégia do plano de circulação local, o centro foi dividido em cinco setores. A nova organização impossibilita a circulação de carros entre um setor e outro, a menos que o motorista volte para o anel viário.
Ou seja, a área roxa, no mapa abaixo, só pode ser acessada por outros modais de trânsito:
Na prática, ainda podem acessar as áreas os carros que pertencem a moradores da região, visitantes, entregadores e emergências médicas. No entanto, existe uma série de restrições para atender ao plano da cidade de proibir a circulação de automóveis entre os bairros. Esse banimento fez com que a bicicleta se tornasse o meio de transporte preferido da população, seguido pelo transporte público.
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A intervenção foi apenas uma das medidas tomadas pelo governo local para tornar a cidade mais verde e faz parte de um plano de metas chamado Leuven2030, que ambiciona chegar a neutralidade de carbono até 2050. Outras ações incluem, por exemplo, a reforma de mil casas, por ano, para o investimento em energia solar e a pavimentação de várias áreas de concreto.
A cidade de Leuven segue uma tendência, observada com frequência em países europeus. “A maioria das cidades na Holanda e na Espanha inclui distritos significativos nas regiões centrais, dos quais os carros foram removidos nos últimos anos. Os bairros sem carros são quase sempre as zonas mais populares, e são utilizados tanto para compras como para lazer”, exemplifica J.H. Crawford, autor do livro Carfree Cities (“Cidades livres de carros”, sem tradução para o português).
Ele explica que as carfree cities são locais em que, idealmente, não existem carros, exceto serviços de emergência e veículos de entrega.
“A maioria das medidas que reduzem o tráfego motorizado nas cidades melhora a qualidade de vida em muitos pontos. Quanto maior a redução, maiores os benefícios. Também é mais barato e menos poluente”, aponta.
Crawford destaca Veneza, na Itália, e Fes el Balii, no Marrocos, como expoentes desse conceito. “São populações imensas vivendo em áreas livres de carros. Portanto, a viabilidade de bairros sem carros não é uma questão”, complementa. O autor destaca, no entanto, que é preciso considerar alguns aspectos para impulsionar a locomoção rápida e de baixo custo para criar cidades sem carro.
Para alcançar essa meta, ele sugere o estímulo ao transporte público. “Caminhar e andar de bicicleta atendem à maioria das necessidades, principalmente para pessoas que precisam percorrer distâncias menores. Mas outros modais devem ser melhorados e adaptados à cidade em questão”, adiciona.
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Ele acredita, porém, que seguir esse caminho traz benefícios importantes à infraestrutura urbana, principalmente em relação a custos, meio ambiente e qualidade de vida.
Uma das certezas de quem vive na cidade de São Paulo é que, inevitavelmente, em um momento ou outro, você vai se irritar com o trânsito. Não é para menos: um levantamento da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), com dados do IBGE de 2021, indicou que o Estado possui 31,4 milhões de veículos – o equivalente a 33% dos automóveis do País.
Gerir esse universo de pessoas motorizadas, que precisam se locomover diariamente, não é tarefa fácil. O tema, que aparece com frequência nos debates políticos, foi fundamental para definir as diretrizes do Plano Diretor e impulsiona transformações constantes nas dinâmicas sociais. Uma possibilidade ventilada para melhorar esse fluxo, característico das grandes cidades, é a criação de bairros sem carros, mas o movimento, por aqui, ainda é incipiente.
“É importante entender que uma via pública utilizada majoritariamente por automóveis é um espaço público subutilizado. A mesma rua, se for usada inteiramente por pedestres, ciclistas ou ônibus, beneficia um número muito maior de pessoas”, aponta Marcos Kiyoto, consultor em planejamento urbano e mestrando na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Com base nessa perspectiva, já surgiram iniciativas como os corredores exclusivos e os calçadões.
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Os calçadões são espaços urbanos, geralmente associados aos centros comerciais, em que os carros foram banidos ou os pedestres têm prioridade na circulação. A intervenção é conhecida da população brasileira, ainda que de forma tímida. Em São Paulo, por exemplo, é possível encontrar essas formações em ruas pontuais do centro histórico da capital, como nas ruas José Bonifácio e Quintino Bocaiúva.
Segundo Kiyoto, para que esse tipo de medida passe a ser adotada de forma mais abrangente, é necessário haver uma priorização política, mas isso encontraria grande resistência na população. “Por mais que, tecnicamente, existam benefícios, a opinião pública tende a se opor a uma mudança de modelo, cujos resultados ainda são desconhecidos”, justifica.
Os carros respondem por 72,6% da emissão total de gases do efeito estufa, enquanto transportam apenas 30% da população, de acordo com o Inventário de Emissões Atmosféricas do Transporte Rodoviário de Passageiros no Município (Cetesb) de São Paulo, divulgado em 2017. E essa é apenas uma das motivações para quem defende uma menor participação dos automóveis na rotina das cidades.
“Além da baixa eficiência energética e o desperdício de espaço urbano, destaco os desafios de segurança, saúde, poluição e mortalidade”, enumera o especialista. Ainda que alguns problemas possam ser amenizados, outros são inerentes aos carros. “Não vejo nenhuma solução saudável e segura para as cidades, sem que haja redução no uso de automóveis e ampliação de alternativas como transporte coletivo e a pé”, direciona.
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