Quem imaginaria que o bebê de outrora – aquele que a gente imaginava crescendo e saindo de casa para ter seu próprio canto – estaria desaparecendo dos planos de tantas famílias ao redor do mundo?
A recente queda nas taxas de natalidade em escala global está surpreendendo até mesmo os demógrafos. O fenômeno, que vem se espalhando por regiões como o Oriente Médio e Norte da África, está afetando tanto nações desenvolvidas quanto emergentes. Esse declínio, além de uma questão social, também tem efeitos profundos (e inesperados) no mercado imobiliário.
A razão por trás disso? Uma mistura complexa de fatores, mas que sociologicamente envolve o chamado “efeito seleção”.
As mulheres estão mais escolarizadas e têm cada vez mais poder econômico, o que as leva a escolher parceiros com status social semelhante ou superior.
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Porém, como aponta Marcia Inhorn, socióloga da Universidade de Yale, isso criou uma “disparidade amorosa” que deixa uma parcela crescente de homens – especialmente aqueles sem diploma universitário – sem parceiro(a) e sem perspectiva de construir uma família. E a conta chega diretamente ao mercado imobiliário.
Em paralelo, outro fenômeno intrigante ganha força: o aumento expressivo de crianças que não possuem o nome do pai em seus registros.
Isso não se limita a apenas um país ou região e reflete um contexto global em que mulheres têm maior autonomia e liberdade para tomar decisões sobre maternidade. Muitas dessas mães escolhem viver a maternidade de forma independente, criando filhos sem a presença de um companheiro. Esse novo padrão familiar gera mudanças diretas na busca por imóveis, visto que esses lares podem necessitar de soluções habitacionais que ofereçam apoio e redes de suporte para mães solo.
Enquanto isso, em lugares como a Coreia do Sul, as mulheres jovens estão optando por não se casar, um fenômeno que vem despertando preocupação entre autoridades. No país oriental, o casamento está associado a grandes responsabilidades culturais e econômicas, e, cada vez mais, as mulheres têm preferido seguir a vida de forma independente, focando em suas carreiras e qualidade de vida.
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Menos bebês significa menos famílias numerosas e, portanto, menor necessidade de imóveis espaçosos. Esse cenário provoca um crescimento na demanda por imóveis compactos, com boa localização e áreas de lazer atraentes para adultos, enquanto os projetos voltados para famílias grandes estão em queda.
O novo perfil demográfico coloca no centro do mercado imobiliário as mulheres que estão cada vez mais protagonistas. A compra de imóveis, que há algumas décadas era dominada pelo público masculino ou casais tradicionais, hoje reflete um mercado com alta participação feminina. Muitas mulheres se tornaram líderes no processo de decisão de compra dentro das famílias e, para aquelas que vivem sozinhas, o investimento em moradia representa também independência e segurança financeira.
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Dados mostram que o número de mulheres compradoras de imóveis tem crescido de maneira consistente nos últimos anos, acompanhando o aumento da presença feminina no mercado de trabalho e o crescimento da renda desse público. No entanto, essa demanda tem suas particularidades.
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Mulheres solo, por exemplo, valorizam segurança, localização e infraestrutura que facilite a mobilidade urbana, enquanto as mães solteiras buscam residências com infraestrutura e serviços que facilitem o dia a dia com os filhos.
Solitários com Altas Expectativas!
Outro ponto interessante é que os consumidores sem filhos e com alto poder aquisitivo, muitas vezes, esperam um padrão elevado em moradia. Eles querem mais sofisticação, exclusividade e, claro, comodidade.
Isso significa que as construtoras estão precisando revisar suas estratégias: a famosa “área kids” perde espaço, e dá lugar a espaços de coworking, academias bem equipadas e, até mesmo, espaços gourmet com design moderno. Afinal, esse público valoriza um estilo de vida que une trabalho e lazer no mesmo lugar.
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Outro detalhe relevante é a demanda por flexibilidade nos contratos e nos formatos dos imóveis. Com a mudança no perfil das famílias, há cada vez menos interesse em imóveis com contratos de longo prazo e com layouts tradicionais.
Muitos preferem contratos mais curtos e modelos de locação que incluam comodidades e serviços, como academias, áreas de lazer e até concierge. Este novo perfil exige imóveis modernos e bem localizados, que ofereçam liberdade e qualidade de vida, permitindo que esses clientes se adaptem às mudanças rápidas de suas vidas.
Por outro lado, a diminuição da natalidade pode acabar criando uma “bolha” no setor imobiliário. Em alguns mercados, a oferta pode ultrapassar a demanda. A longo prazo, essa falta de renovação geracional pode significar que menos pessoas estarão buscando imóveis para comprar ou alugar, o que exige uma reinvenção constante por parte dos players do setor. Será preciso, por exemplo, aproveitar o espaço ocioso para novas finalidades ou repensar formas criativas de ocupação, como moradias compartilhadas e espaços flexíveis.
Essa reinvenção é necessária porque, com menos jovens na fila para adquirir imóveis, o setor precisa expandir seu foco para públicos que até pouco tempo atrás não eram o alvo primário. Idosos, solteiros e casais sem filhos são o novo horizonte, mas isso só será um mercado viável se houver adaptação: o público mais velho, por exemplo, demanda imóveis com acessibilidade e segurança, enquanto o jovem solteiro quer tecnologia e mobilidade urbana.
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As mulheres, por sua vez, representam uma demanda em expansão e um novo desafio: como garantir que esses imóveis atendam às expectativas específicas desse público? Com o crescimento da demanda feminina, as empresas têm a oportunidade de criar produtos e estratégias que vão além do básico, como investir em sistemas de segurança eficientes, ambientes bem iluminados e com acabamentos que prezem pela qualidade e pelo design.
No final das contas, a queda de natalidade pode ser encarada como um sinal de alerta, mas também como uma oportunidade de inovação para o mercado imobiliário. A mudança no perfil demográfico nos força a repensar e a criar novas soluções habitacionais, explorando um mercado ainda mais diversificado.
Este é um momento para que o setor imobiliário se aproxime do consumidor, compreenda seus novos desejos e crie experiências que estejam em sintonia com essa nova realidade – afinal, onde quer que exista uma “disparidade amorosa” e um “efeito seleção”, há sempre uma oportunidade de adequar o espaço para refletir novos modos de viver e novos padrões de sociedade.
A revolução demográfica pode até diminuir o número de bebês, mas abre as portas para um mercado imobiliário mais dinâmico e flexível, onde cada metro quadrado é pensado para atender a diversidade e as mudanças da vida moderna. Agora, o futuro está nas mãos das incorporadoras, que precisam ter sensibilidade e visão para ler esses sinais e transformar as tendências em oportunidades duradouras.
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Enquanto a natalidade cai e o perfil dos lares muda, o setor imobiliário encontra-se diante de um novo desafio – e de um novo começo. Seja adaptando imóveis para públicos mais diversificados, explorando a digitalização para atrair os jovens ou valorizando as especificidades das compradoras mulheres, o setor está diante de uma chance única de redefinir o conceito de lar para uma sociedade em transformação.