De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a pandemia levou 7,9 milhões de pessoas para o home office. A permanência em casa aumentou os conflitos entre vizinhos. A Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios (AABIC) chegou a registrar aumento de 300% nas reclamações entre março e agosto do ano passado.
A expectativa era de que a acomodação da situação levasse ao apaziguamento das dificuldades, mas pesquisa da Lello Condomínios, realizada em abril, revela que, entre os síndicos entrevistados, 43% constataram que o número de ocorrências de barulhos e brigas entre vizinhos cresceu durante a pandemia e 24% afirmaram que o problema piorou em 2021.
“Na pandemia, mais do que nunca o síndico precisa ser um mediador de conflitos, cultivar a comunicação efetiva com os moradores. Quando ocorrer algum problema, ele deve intermediar e buscar uma solução usando o bom senso. É preciso orientar e estabelecer procedimentos para que todos possam ter seus direitos respeitados no cenário atípico que estamos vivendo”, afirma Bruno Goveia, coordenador da Cipa Síndica, administradora de condomínios.
O advogado Leandro Sender, especialista em direito imobiliário, concorda. “O bom senso sempre deve prevalecer em qualquer situação. O código civil traz o artigo 133, que fala exatamente como o imóvel deve ser utilizado. E determina: o condômino não pode usar o espaço de maneira que acarrete prejuízo ao sossego, salubridade, segurança ou bons costumes.”
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Confira abaixo os pontos a serem observados conforme a legislação.
Durante a pandemia, a perturbação do sossego pode se tornar uma questão bastante grave. Ao mesmo tempo em que todos se recolheram aos lares e o home office passou a ser uma realidade frequente, as crianças também ficaram presas em casa e a necessidade de obras e reformas também cresceu.
“Em situações normais, tem que se observar a convenção condominial e verificar qual o horário permitido para fazer obras. Normalmente é das 9h às 17h. Quando a gente fala em pandemia, temos algumas situações que fogem ao cotidiano. Por isso, é permitido que o síndico crie um regramento próprio para evitar barulhos durante o home office”, sugere Sender.
Neste caso, é possível reduzir o horário das obras, que pode operar das 10h às 14h ou das 14h às 17h, apenas. E só permitir dois ou três funcionários por vez, a fim de evitar a circulação de pessoas e uma eventual disseminação do coronavírus. “É interessante que o síndico observe o contexto e crie um regramento que seja facilitador para o convívio entre todos.”
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O cuidado com a salubridade tem a ver com questões sanitárias comuns a todos os moradores de um condomínio. O lixo talvez seja o principal exemplo deste item, já que na pandemia a produção de resíduos por moradia aumentou na medida em que as pessoas passam mais tempo em casa. É preciso respeitar o acordo e fazer o descarte com o material organizado em sacos, objetos cortantes protegidos e identificados corretamente e entregues no local determinado.
“Um condômino que joga lixo de qualquer jeito no corredor vai criar um problema. E o síndico tem que estar presente em cada situação para penalizar quem infringir a regra. Outra situação de salubridade: animais domésticos. Esse é um ponto que sempre gera discussão. Pode animal, não pode animal, o que o condomínio pode fazer?”
Sender lembra que, em 2019, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a convenção de condomínio residencial não pode proibir de forma genérica a criação e a guarda de animais de qualquer espécie nas unidades autônomas quando o animal não apresentar risco à segurança, à saúde e ao sossego dos demais moradores e dos frequentadores ocasionais do local.
Ainda assim, a convenção condominial pode agir em casos específicos contra algum animal ou morador que não esteja atendendo às condições adequadas para o convívio de todos. Negligenciar a limpeza pode causar mal cheiro, doenças e atrair insetos. Se o animal estiver sendo maltratado, pode reagir atacando outras pessoas ou fazendo barulho fora do horário permitido.
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“Quanto mais tempo você fica em casa, mais acaba percebendo essas questões entre vizinhos. Se você sai de manhã e volta à noite, não ouve o animal latindo. Quando está trabalhando o dia todo de segunda à sexta-feira, um barulho contínuo traz uma situação estressante a mais.”
O entregador de comida pode subir para fazer a entrega diretamente ao comprador? Ou o morador deve buscar sua encomenda na portaria? Durante a pandemia, quando a recomendação é de ficar em casa, as compras por aplicativos cresceram, o que abriu debates como este.
“O Rio de Janeiro tem legislação dizendo que o síndico não pode proibir que o entregador suba, porque isso é ferir o direito de propriedade de cada um. Se o morador permitir que a pessoa X entre no condomínio sob a autorização dele, não poderia o síndico criar essa proibição. De qualquer forma, volto a falar: bom senso. É recomendado que as pessoas desçam para encontrar os entregadores, evitando que eles acessem o interior de um edifício onde moram outras pessoas que podem estar expostas a riscos”, completa Sender.