A construção de um imóvel não é apenas uma técnica exata da engenharia. Pode-se dizer que é a mistura do método e da arte de transformar o concreto em uma obra grandiosa. Acompanhando os movimentos arquitetônicos podemos entender mais de como a construção civil evoluiu passando por vários estilos, desde os mais extravagantes e rebuscados até o mais sutil e minimalista.
No Brasil, as obras de Niemeyer refletem o lado artístico e limpo na construção. O Palácio do Planalto, uma obra com estruturas alinhadas e sustentação de colunas na parte externa, é um projeto icônico que reflete bem os principais aspectos da época em que o estilo ia se tornando uma referência também no Brasil, na primeira metade do século XX.
De acordo com o professor e urbanista Marcos de Oliveira da Costa, a arquitetura modernista foi um movimento que pretendeu construir uma resposta urbana pensada aos desafios trazidos pelo desenvolvimento da sociedade industrializada. Surgiu no final do século XIX como um contraponto ao ecletismo predominante. Diante de novas técnicas construtivas que utilizavam o ferro e o concreto armado, os modelos compositivos baseados no classicismo grego-romano se tornaram anacrônicos.
“Do ponto de vista urbano, as cidades sofreram um forte impacto a partir do surgimento das indústrias. Elas cresceram de forma veloz e descontrolada. Multiplicaram-se os problemas de saneamento e habitação”, explica o coordenador e docente do curso da FAAP. Neste cenário, profissionais propõem uma completa transformação da casa e da cidade, buscando uma adequação às novas condicionantes e potencialidades trazidas pela indústria.
Publicidade
“Less is More”, ou Menos é Mais, dito por Mies Van der Rohe, ideia que serviu de base para a arquitetura moderna.
Se destacam as construções em linhas retas, sustentadas com pilotis, janelas na horizontal, laje plana com terraço-jardim utilizados na cobertura com espaço integrados, com fachadas sem divisórias ou segmentações. Pedra, aço e concreto aparecem de forma crua, são características da visão da época das novas formas de uso da construção. “Os grandes profissionais passaram a negar e abandonar os ornamentos históricos dos projetos, buscando obras mais limpas e objetivas”, explica Bruno Moraes, arquiteto.
Moraes lembra do conceito “Less is More”, ou Menos é Mais, dito por Mies Van der Rohe, ideia que serviu de base para a arquitetura moderna. O movimento transformou a ideia de integração das construções com a cidade muito conectada com a industrialização, a relação do trabalho e produção que mudou a forma como os espaços eram construídos e ocupados, com o surgimento dos arranha-céus e o automóvel particular como meio de locomoção.
Segundo Patrícia Penna, arquiteta e designer de interiores, a essência desse movimento pode estar presente nos interiores, com uso de cores das obras de arte, linhas retas e cimento na parede sem fugir do essencial, mantendo o minimalismo como uma arte. Um elemento importante nesse conceito é a tapeçaria.
Publicidade
Bruno complementa o uso do aço tubular em móveis, combinado com couro e madeira, bem como o vidro acrílico em objetos de decoração como vasos, louças e esculturas. “Nas artes plásticas, podemos observar bastante o uso de painéis coloridos, trazendo mais vida para os ambientes internos, e a presença de vegetação, tanto no interior como nos jardins das casas”, explica.
Conforme explica o professor Marcos de Oliveira, a Bauhaus possui lugar de destaque no contexto modernista. Isto porque criou uma nova pedagogia que unia o operário industrial e o artista, agora transformados em educadores e que, ao invés de utilizar a velha sala de aula, ensinavam nas oficinas da escola, equipadas com as mais modernas máquinas disponíveis nas indústrias da época. Walter Gropius, diretor e fundador da Bauhaus, dizia que o objetivo da escola era “insuflar alma no objeto inanimado da máquina”.
Le Corbusier, um dos principais nomes do movimento, cunhou uma frase que pode nos ajudar a compreender este processo: “A casa é uma máquina de morar.” Neste sentido, a residência e a cidade deveriam ser eficazes como a indústria. Esta é uma chave para a compreensão das principais características modernistas: ausência de adornos e entalhes decorativos, na época impossíveis de serem feitos industrialmente; protagonismo dos elementos estruturais; racionalidade construtiva manifestada através da modulação e repetição de elementos arquitetônicos; atenção aos aspectos funcionais e programáticos; fluidez espacial com a dissolução das noções de interior e exterior.
No Brasil havia um problema básico para a implementação dessa ideia de construção: o País possuía uma indústria ainda incipiente e profundamente concentrada no Rio de Janeiro e em São Paulo. Apesar desta dificuldade, o modernismo brasileiro conseguiu desenvolver características próprias e participou, com certo destaque, do debate internacional sobre o modelo e a cidade.
Publicidade
“O edifício do MEC, no Rio de Janeiro, que contou com a colaboração de Le Corbusier, é um marco importante deste processo”, diz o professor. Uma equipe de brasileiros se formou sob a batuta de Lúcio Costa. Dentre seus membros podemos destacar Affonso Eduardo Reidy, autor do projeto do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Jorge Machado Moreira, autor do edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ e Oscar Niemeyer.
Os espaços urbanos deveriam ser pensados a partir de suas funções primordiais. Segundo a Carta de Atenas, documento central para a compreensão do urbanismo, as cidades são compostas por quatro funções: habitar, trabalhar, circular e lazer. Seguindo o princípio da eficácia, cada uma destas funções deveria ocupar um espaço específico e especializado. “Para conectá-las, sistemas de mobilidade mecanizados garantiriam a devida articulação destas funções urbanas. Cabe destacar que o automóvel foi a máquina escolhida pelos profissionais para responder às demandas de mobilidade exigidas”, diz.
Outra referência a isso vem de Frank Lloyd Wright, importante arquiteto estadunidense que chegou a propor inusitados helicópteros que ajudariam no transporte dos moradores de sua Broadacre City, que jamais foi construída. “A cidade de Brasília ilustra bem a ideia. Podemos reparar como a obra foi projetada pensando no automóvel como meio de transporte, superquadras distantes e o uso misto das edificações”, explica Bruno. Outro ponto é a setorização.
Um pensamento aristocrata: isso explica bem a dificuldade dos profissionais em compreender os contextos sócio-culturais do seu tempo e nenhum apreço pelo patrimônio cultural e ambiental. Le Corbusier chegou a propor, em 1928, a demolição de boa parte do centro de Paris para a construção de um novo bairro de gigantescos arranha-céus, separados por vastos gramados, cortados por autopistas para automóveis. “Outro ponto importante ao se analisar o legado são as dramáticas consequências ambientais que o processo de industrialização acarretou e que não foram devidamente tratadas pelo movimento”, afirma Marcos.
Publicidade
A herança levou a um processo de crítica ao pensamento, iniciado logo após a II Guerra Mundial, e que vem gradativamente desmontando o complexo arcabouço teórico e prático por eles concebido. Neste processo, houve profundas mudanças não apenas nas propostas arquitetônicas e urbanas em si, mas também na postura desses profissionais, cada vez mais atentos ao que a sociedade necessita.
Diferente do modernismo, a arquitetura contemporânea apresenta obras cada vez mais conscientes de suas funções sociais e ambientais, sem abrir mão da constante pesquisa por novas linguagens. Simultaneamente, vivemos uma verdadeira revolução tecnológica com o desenvolvimento de sistemas paramétricos de projeto que por sua vez se articulam com múltiplos sistemas de construção digital.
“Em relação às cidades, busca-se reverter o radical funcionalismo modernista através de bairros multifuncionais, com alta densidade populacional, que possibilitem uma experiência urbana mais diversificada e que reduza a demanda por mobilidade. Vemos uma diminuição do espaço urbano dedicado aos automóveis, responsáveis por boa parte da poluição e consumo de energia das cidades”, complementa o professor. O plano da nova Champs Elysée, promovido pela prefeitura de Paris, é um bom exemplo deste esforço, onde os automóveis dão lugar a árvores, cafés, calçadas e ciclovias.