A organização urbana garante à Lapa um índice equilibrado de habitantes por quilômetro quadrado: pouco mais de 6.500 hab/km². É também um dos bairros com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade: 0,941, mais do que alguns países ricos, como a Austrália (0,939).
Embora relativamente próximo ao centro de São Paulo – menos de 15 quilômetros da Praça da Sé ou do Pátio do Colégio –, o bairro da Lapa iniciou seu processo de urbanização tardiamente. Em pouco mais de 100 anos, o que era apenas linha férrea e fazendas se tornou uma das regiões mais charmosas da cidade.
Como um quebra-cabeça, o desenho urbano da Lapa foi construído com uma peça de cada vez. A mais determinante delas foi a instalação das ferrovias São Paulo Railway e Sorocabana (inauguradas, respectivamente, em 1867 e 1875). “Quando você vê o mapa da cidade de 1897 percebe que praticamente não existia o bairro, eram só núcleos de povoado nas margens de um caminho de tropeiros que passava por onde hoje é a rua Guaicurus”, relata Luiza Naomi, professora de arquitetura da Universidade Belas Artes.
Não era à toa a baixa ocupação da região. Localizada entre os rios Tietê e Pinheiros, trata-se de uma área de várzea, ou seja, alagável e de baixa topografia – e os terrenos mais altos eram mais valorizados à época. A área que corresponde hoje ao Alto da Lapa (mais valorizada) era ocupada por chácaras, geralmente propriedades de portugueses ou de fazendeiros do café.
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O eixo entre o Centro de São Paulo e o Porto de Santos era a rota de industrialização paulista. Quando as ferrovias foram inauguradas, acelerando o transporte entre capital e interior, as fábricas começaram, uma após a outra, a formarem a paisagem da Lapa e arredores. As Indústrias Matarazzo, lideradas por Francisco Matarazzo, que hoje batiza a famosa avenida, são o maior exemplo deste processo.
Para haver fábrica, é preciso que haja trabalhadores. Dessa forma, diversas moradias operárias começaram a aparecer. Elas se organizavam em vilas cujas construções eram, majoritariamente, casas ou sobrados geminados e prédios de poucos andares – “um exemplo desse modelo pode ser encontrado hoje na rua Manequinho”, explica Luiza Naomi.
O desenvolvimento do bairro se deu com incentivo da administração pública. Assim que a Lapa foi promovida a distrito, em 1910, o bairro recebeu imediatamente fornecimento de luz elétrica e um programa de rede de água e esgoto, que foi concluído em 1920 – um privilégio que, até hoje, poucas regiões de São Paulo têm.
A mesma estrutura urbanística tomou forma do outro lado da ferrovia. Contudo, desenvolveu-se ali, nas vias de maior circulação, um centro comercial mais vigoroso, com destaque para a rua Doze de Outubro, pólo de comércio popular nas últimas décadas, e para o Mercado Municipal da Lapa, inaugurado em 1954.
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E por ali, se instalaram muitos imigrantes, a maioria deles originários da Itália. Assim, nasceu uma vila cheia de italianos e o nome ficou: Vila Romana. Na verdade, os nomes ficaram. Pelas ruas do bairro, a ascendência italiana está presente em cada placa de identificação das vias. Todas elas foram batizadas em homenagem à história ou à mitologia romana, casos de Catão, Tito, Scipião, Faustolo, entre outras.
Na década de 1920, a britânica Companhia City comprou cerca de 12 mil quilômetros quadrados na parte mais alta da região. As chácaras, então, se transformaram em um bairro planejado ao estilo cidade-jardim, um conceito de urbanização que afirma a relação da expansão da cidade integrada ao campo.
Capitaneada pelo conceituado arquiteto Berry Parker, responsável também pelos bairros de Jardim América, Jardim Paulista e Pacaembu, a Companhia City comercializou os lotes com um amplo pacote de benefícios. A professora Luiza Naomi cita alguns: arruamento que acompanha as curvas de nível naturais, calçadas alargadas, muitos jardins e pequenas praças. E uma grande novidade para a época: os bondes passavam em frente aos casarões da City Lapa. Antes da popularização dos automóveis, eram os mais ricos que acessavam o transporte público.