Quando José Carlos de Barros Lima, advogado e pedagogo de 83 anos, era criança, toda a região da Lapa se resumia a um centrinho comercial no entorno das linhas férreas São Paulo Railway e Sorocabana (inauguradas, respectivamente, em 1867 e 1875) e a sítios e chácaras a perder de vista. “O verdureiro trazia os alimentos de charrete e tinha até gado solto por aqui”, conta José Carlos, que mora no Alto da Lapa. “Cheguei a ver fazendeiro trazer a vaca para tirar o leite fresco em frente de casa.”
Desde então, José Carlos é apaixonado pelo bairro. Já adulto, se envolveu em diversas organizações civis. Em 1991, enquanto preparava a festa de aniversário da Associação Comercial da Lapa, notou algo estranho: o bairro celebrava apenas seu aniversário número 246. A data de fundação era muito recente, pensou.
Então foi à Câmara de São Paulo vasculhar as atas da cidade desde sua fundação. Foram três anos de investigação, entre 1991 e 1994, para, enfim, descobrir a data real do início da Lapa: 1590. Descobriu também que tudo começou quando a então Vila de São Paulo sofrera uma série de tentativas de invasão.
O sertanista Afonso Sardinha foi informado sobre o plano de um agrupamento de índios de atacar São Paulo, como represália à expulsão de suas terras originais. Este plano se concretizou em uma ofensiva sobre o bairro de Pinheiros.
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Sob a liderança de Sardinha, um grupo de homens influentes na administração da Vila de São Paulo se reuniu para defender a cidade. O lugar escolhido foi o encontro dos rios Pinheiros e Tietê, região alagável por onde os indígenas chegavam à São Paulo. O local era chamado por todos de “Emboaçava”, que significa “lugar onde se passa”, em tupi.
Próximo a onde hoje está a ponte dos Remédios, foi erguido um forte que ficou conhecido como Tranqueira do Emboaçava. Ali, formou-se um grupo de vigília, que se tornou ponto de apoio aos bandeirantes que chegavam e saíam de São Paulo. Nos arredores da construção, surgiu o Povoado do Forte, uma espécie de tataravô da Lapa que conhecemos hoje.
Foram cerca de dois séculos de Emboaçava. A região só viria a ser chamada de Lapa em meados do século 18. Há algumas versões para a origem do termo, mas todas têm um ponto em comum: a imagem de Nossa Senhora da Lapa.
José Carlos de Barros Lima conta que seus estudos levaram a uma conclusão. A história verdadeira seria a de um português que trouxe a imagem da santa à chácara de sua propriedade e a batizou de Fazenda Nossa Senhora da Lapa. O português doou o objeto aos jesuítas, com uma condição: que rezassem anualmente uma missa na “Fazendinha da Lapa”.
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O termo pegou. A região de “Fazendinha da Lapa” logo virou apenas Lapa, mesmo depois que a imagem deixou a fazenda – de acordo com o historiador, ela foi para Cubatão, onde se tornou padroeira da cidade.
E depois vieram as novas divisões: Alto da Lapa, Lapa de Baixo e Lapa de Cima. Isso apenas após o boom populacional movido pelos trens da São Paulo Railway e da Sorocabana, cuja parada ocorria onde hoje são as estações Lapa, da Linha-8 da CPTM (de 1889) e da Linha-7 da CPTM (de 1958), pelo crescimento industrial pujante na virada dos anos 1800 para 1900 e pela segunda onda de imigração europeia, quando chegaram muitos espanhóis, húngaros e, sobretudo, italianos.
Nos primórdios da Lapa, o primeiro censo do bairro, realizado em 1765, registrou 31 moradores. De acordo com os dados atualizados da Prefeitura, o distrito da Lapa abriga mais de 65 mil paulistanos atualmente.