Uma caminhada pelas ruas de São Paulo oferece um vislumbre de um tour pelo mundo. É uma miscelânea de culturas, culinária, arquitetura e contrastes em um mesmo aglomerado de terra. No entanto, ainda que a miscigenação seja uma característica da população brasileira, a cor da pele é um atributo marcante quando se observam as características dos bairros mais negros e brancos de São Paulo.
De acordo com o Mapa da Desigualdade de 2021, realizado pela Rede Nossa São Paulo com informações populacionais do Censo, apenas 5,8% dos habitantes do distrito de Moema são pretos ou pardos. Do outro lado deste ranking e do Rio Pinheiros, o Jardim Ângela tem 60,1% de moradores negros em sua população, líder entre os bairros mais negros de São Paulo. E a distância entre os dois distritos vai além das horas gastas em uma longa viagem de ônibus.
Distrito | Proporção | Distrito | Proporção | Distrito | Proporção | ||
Moema | 5,8 | Penha | 23,9 | Parque do Carmo | 40,7 | ||
Alto de Pinheiros | 8,1 | Mandaqui | 24,3 | Vila Andrade | 41,4 | ||
Itaim Bibi | 8,3 | São Lucas | 24,4 | Sapopemba | 41,7 | ||
Jardim Paulista | 8,5 | Cursino | 24,6 | Ermelino Matarazzo | 43,0 | ||
Vila Mariana | 8,7 | Belém | 24,7 | Cachoeirinha | 43,3 | ||
Perdizes | 9,4 | Vila Matilde | 25,4 | São Miguel | 44,1 | ||
Santo Amaro | 10,3 | Jaguara | 25,8 | Cidade Dutra | 45,5 | ||
Consolação | 10,6 | Aricanduva | 27,5 | Itaquera | 45,7 | ||
Lapa | 10,7 | Vila Sônia | 27,9 | Raposo Tavares | 46,5 | ||
Saúde | 10,9 | Casa Verde | 29,1 | Jaraguá | 47,3 | ||
Tatuapé | 11,1 | Freguesia do Ó | 29,9 | José Bonifácio | 47,6 | ||
Pinheiros | 11,1 | República | 30,2 | São Rafael | 47,9 | ||
Campo Belo | 12,2 | Pirituba | 31,3 | Campo Limpo | 47,9 | ||
Moóca | 12,3 | Bom Retiro | 31,4 | Marsilac | 48,6 | ||
Água Rasa | 13,8 | Sacomã | 32,0 | Perus | 48,8 | ||
Vila Leopoldina | 14,4 | São Domingos | 32,0 | Vila Jacuí | 49,0 | ||
Santana | 14,5 | Rio Pequeno | 32,4 | Cidade Ademar | 50,0 | ||
Barra Funda | 15,7 | Limão | 32,8 | Anhangüera | 50,3 | ||
Butantã | 16,1 | Brás | 33,5 | Brasilândia | 50,6 | ||
Carrão | 17,3 | Vila Medeiros | 34,0 | Iguatemi | 50,9 | ||
Liberdade | 17,9 | Vila Mariana | 34,0 | Vila Curuçá | 51,2 | ||
Vila Prudente | 19,0 | Jabaquara | 34,4 | Jardim São Luís | 51,3 | ||
Tucuruvi | 19,3 | Jaguaré | 34,4 | Guaianases | 51,5 | ||
Morumbi | 19,5 | Pari | 34,7 | Pedreira | 52,4 | ||
Santa Cecília | 19,7 | Ponte Rasa | 35,2 | Capão Redondo | 53,9 | ||
Vila Formosa | 20,4 | Jaçanã | 35,8 | Jardim Helena | 53,9 | ||
Cambuci | 21,0 | Artur Alvim | 37,1 | Itaim Paulista | 54,8 | ||
Socorro | 21,5 | São Mateus | 37,5 | Cidade Tiradentes | 56,1 | ||
Bela Vista | 21,6 | Cangaíba | 38,2 | Lajeado | 56,2 | ||
Ipiranga | 22,0 | Sé | 38,3 | Parelheiros | 56,6 | ||
Vila Guilherme | 22,0 | Cidade Líder | 38,8 | Grajaú | 56,8 | ||
Campo Grande | 22,3 | Tremembé | 39,7 | Jardim Ângela | 60,1 |
O mesmo índice aponta que a densidade domiciliar de Moema é de 2,3 pessoas por residência, ao passo que no Jardim Ângela o número sobe para 3,1. A proporção de domicílios em favelas no Jardim Ângela é de 53,27%; em Moema, o mapeamento apresenta o número 0. Essas desigualdades se relacionam em vários outros pontos do estudo, que vão desde o acesso à internet móvel até a idade média ao morrer.
Os moradores de Moema, por exemplo, vivem em média até os 79,5 anos, segundo o mapa da desigualdade. Já a idade média ao morrer no Jardim Ângela é 61,2 anos. Esse cenário de consolidação de bairros mais negros de São Paulo, na concepção do Professor de Sociologia da Universidade Federal Fluminense e pesquisador do Afro CEBRAP, Danilo França, está ligada diretamente à classe social, mas não só isso.
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“A segregação nas cidades brasileiras se dá por linhas de classe. Mas essa separação entre ricos e pobres também é perceptível por aspectos de cor, pois, no Brasil, a maior parte dos mais pobres são pretos”, afirma. “Porém, ao se examinar os índices de brancos e negros pertencentes à mesma classe, nota-se que há, sim, outras formas de separação racial.”
Ele explica que mesmo negros de classe média, em geral, não moram nos mesmos lugares que brancos de classe média. “O centro expandido de São Paulo engloba locais com alta concentração de brancos de classe média e alta. No entanto, mesmo negros de classe média tendem a morar em regiões mais próximas da periferia”, comenta o pesquisador.
Danilo levanta duas hipóteses para este cenário: a discriminação do mercado imobiliário, que cria barreiras para que pessoas negras acessem espaços elitizados das cidades; e o campo delimitado de aspiração habitacional. “Por mais que as pessoas vivenciem mudanças sociais, isso não é visto no aspecto residencial. Mesmo quando um jovem ascende economicamente, por exemplo, ele tem a maior propensão a querer morar perto dos seus pais”, sintetiza.
Em sua tese de doutorado, cujo título foi “Segregação racial em São Paulo: residências, redes pessoais e trajetórias urbanas de negros e brancos no século XXI”, ele aplicou questionários para entender a percepção de indivíduos periféricos sobre a cidade. “O seu local de residência determina onde você circula, com quem se relaciona e as oportunidades que tem. Isso ajuda a cristalizar certas distâncias sociais.”
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“Os negros de classe média que ascendem economicamente acabam se relacionando com outras pessoas negras e isso é somado às construções de representações locais de cada grupo”, comenta o pesquisador. “Perguntei para uma série de pessoas de São Miguel Paulista, por exemplo, onde elas queriam morar se tivessem dinheiro ilimitado. A maioria respondia Tatuapé, ao invés de Alphaville, Pinheiros ou Jardins”, exemplifica.
Na perspectiva do professor, esse ambiente de pouca diversidade nos bairros mais ricos se traduz em oportunidades mais restritas aos negros. O caminho para a mudança social, ele defende, não passa apenas por garantir a inclusão dessa população na classe média, mas, também, pela disseminação de políticas públicas, equipamentos estruturais para todos os bairros e uma circulação mais ampla e irrestrita pelas cidades.