Decoração, reforma e construção

Como a pandemia fez o gasto com imóveis disparar

Nos EUA, o caos que gira em torno do mercado imobiliário afetou milhões de famílias, desde aquelas em busca da casa dos sonhos àquelas tentando comprar o primeiro imóvel/ Crédito: Getty Images
Rachel Siegel, Washington Post
15-08-2022 - Tempo de leitura: 8 minutos

Carrie e Nate LaChance estavam em casa, em Orlando, assistindo ao canal HGTV, em 2018, quando montagens de fotos de casas deslumbrantes que pareciam palácios surgiram na tela. Eles foram fisgados. E assim o casal decidiu se mudar para a área de Dallas – sem nem mesmo fazer uma visita à região antes – e construir a casa de seus sonhos.

O que eles encontraram parecia ser coisa do destino: um lote intocado à beira do lago, que compraram naquele ano por US$ 260 mil. Eles começaram a colocar no papel o que viria a ser construído ali em 2020, e Carrie, modelo, começou a postar atualizações do “Castelo” no Instagram, mostrando a seus 1,1 milhão de seguidores momentos como a escolha de uma pia de ouro de 24 quilates e a chegada de lajes de pedra cintilantes chamadas “Névoas de prata”.

Quatro anos depois da compra do terreno, o lar do casal não está pronto. Como uma estrutura que resiste à chuva, neve, vento e granizo, a casa deles foi bombardeada por cada reviravolta da economia durante a pandemia. Escassez de mão de obra. Aumento do preço dos imóveis. Transtornos nas cadeias de suprimentos. Problemas na fabricação. Inflação.

A casa ainda não tem janelas. E cada pedaço dela – cada tábua de madeira, cada prego, cada eletrodoméstico – custou muito mais do que foi planejado. O orçamento inicial começou em torno de US$ 3 milhões, mas uma enxurrada de fatores globais adicionou centenas de milhares de dólares ao produto final.

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Os gastos com o fornecedor local de madeira dobraram desde o início da pandemia, depois os preços do combustível aumentaram dez vezes após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Uma empresa de utilidades domésticas foi prejudicada por uma escassez constante de chips e por problemas na produção que impactaram produtos como geladeiras e máquinas de lavar. Ninguém era capaz de prever por quanto sairiam seus produtos ou serviços.

“Foi como uma reação em cadeia”, disse Joshua Correa, nascido em Dallas e responsável pela construção da casa dos LaChances. “Todo mundo começou a cobrar mais – por tudo.”

O caos que gira em torno do mercado imobiliário afetou milhões de famílias – desde aquelas em busca da casa dos sonhos àquelas tentando comprar o primeiro imóvel. Poucas construtoras ou trabalhadores da construção foram poupados, sobretudo na área de Dallas, que tem algumas das maiores taxas de inflação dos Estados Unidos.

Esta é a história de como os fatores incomuns que caracterizam a economia da pandemia impactaram um teto (muito caro) no Texas.

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Quando o casal se mudou para o Texas, eles sabiam que encontrar a casa dos sonhos exigiria paciência e empenho. Eles procuraram um terreno e começaram a esboçar o que gostariam de incluir ali: uma sala de cinema, uma academia, uma piscina.

Enquanto isso, expandiram seus negócios, entre eles a fabricação e venda de uma linha de meias-calças, lingerie e sapatos de salto alto.

Os fãs de Carrie, conquistados ao longo da carreira de modelo, acompanham a aventura. Todos os dias ela recebe mensagens de seus seguidores perguntando como ela e Nate escolheram o design do imóvel ou quando eles vão finalmente se mudar. Em algum momento, a casa dos LaChances também fará parte da rotina de trabalho deles, sendo usada para exibir produtos ou recebendo sessões de fotos.

No fim das contas, eles estão pagando o preço por cada atraso ou contrato redefinido para sua casa dos sonhos. Mas eles também acabaram mudando ou adicionando detalhes ao longo do caminho, como uma paleta de cores branco e prata que mudou para dourado.

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“Quanto mais tempo você leva pensando nas coisas, acaba pensando ‘talvez eu queira isso diferente’”, disse Carrie.

No outono de 2021, o casal sacou um adicional de US$ 100 mil, pensando que isso cobriria as despesas inesperadas. Essa gordurinha acabou no fim daquele ano.

Joshua Correa aprendeu os pormenores da construção de casas quando era adolescente e ajudava o pai no negócio de encanamento. Nascido em Dallas, ele sabia que deveria seguir uma ordem básica de atividades: primeiro as janelas, depois o interior do imóvel. Mas as janelas estão com atraso de meses previsto. Se ele esperar para instalar o encanamento ou os eletrodomésticos, vai perder dinheiro todos os dias. Uma lona acaba sendo muitas vezes a segunda melhor opção.

Como o principal responsável pela construção de casas e proprietário da empresa Divino Homes, Correa precisa coordenar todos os seus prestadores de serviços e levar em consideração os problemas específicos com a cadeia de suprimentos ou com a escassez de mão de obra. Costumava levar cinco meses para construir uma casa básica do zero. Agora leva no mínimo dez meses, diz ele. Os contratos precisam ser reescritos conforme os gastos com negociações, contratação de trabalhadores e entrega de produtos aumentam.

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Ele está constantemente em busca de trabalhadores que possam despejar concreto, colocar as armações de uma casa ou instalar a fiação elétrica com semanas de antecedência. Se uma equipe que trabalha com as armações aparece, mas a equipe responsável pela madeira não, ele corre o risco de perder todos os trabalhadores do primeiro grupo.

“Devido à falta de mão de obra, quando você soma o tempo perdido, meus gastos com transporte, despesas indiretas, todos os meus atrasos, estou gastando cerca de US$ 150 mil a mais por casa”, disse Correa.

Madeira: orçamento inicial, US$ 105 mil.
Valor a partir de junho de 2022, US$ 177 mil.

Em uma manhã fresca e quase sem nuvens em novembro, as estruturas de madeira do castelo estavam sendo içadas. Correa apontou para uma pilha de tábuas de madeira na beira do local e resumiu ali muitos de seus problemas durante a pandemia.

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“Para isso chegar até aqui, precisei fazer o pedido três meses atrás”, disse ele.

Correa tem a sorte de ter um fornecedor confiável e com estoque: a Big D Lumber. Durante grande parte da pandemia, o proprietário da empresa, Garret Cockrell, atendia cem ligações por dia de construtores desesperados em busca de painéis de madeira ou produtos de revestimento. Cockrell não teve escolha a não ser recusar todos os novos clientes. Ele mal conseguia dar conta da clientela de antes.

Natural do Texas, Cockrell trabalha no setor de construção desde que era adolescente e instalava estruturas de madeira em casas com o tio. Sua situação no trabalho foi melhorando até que ele comprou uma madeireira, e seu pai agora trabalha para ele.

Durante grande parte da pandemia, o setor se viu envolvido em alguns dos piores transtornos globais das cadeias de suprimentos dos tempos modernos. Em várias fases da pandemia, a madeira tornou-se uma commodity popular entre economistas e formuladores de políticas que tentavam explicar suas perspectivas a respeito da inflação na economia, destacando a queda nos preços dela à medida que os transtornos nas cadeias de suprimentos diminuíam lentamente.

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Embora algum alívio nos preços da madeira possa ter sido percebido na indústria, os gastos de Cockrell no geral não diminuíram. Às vezes, eles eram cerca de duas vezes maiores do que antes da pandemia, principalmente ao contabilizar as despesas com combustível, mão de obra e peças para as máquinas da madeireira.

A invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro provocou o infortúnio mais recente. Os mercados de energia e petróleo ficaram descontrolados, levando a preços mais altos para os combustíveis. Para empresas com gastos pesados com transporte e serviços, quase não sobrou espaço para dar conta de ser impactada por algo mais.

“O preço do combustível está acabando com a gente”, disse Cockrell recentemente. “Eu costumava gastar US$ 20 mil por mês com combustível para nossa frota. Agora estou gastando US$ 200 mil para nossas entregas e operações diárias. É o que pagamos para poder trabalhar. Cada vez ganhamos menos dinheiro.”

Pedras: orçamento inicial, US$ 27.500.
Valor a partir de junho de 2022, US$ 39 mil.

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Lajes de “Névoa de prata” brilham à luz do sol no Castelo. Mais cedo ou mais tarde, o arenito azul com listras marrons cobrirá o exterior da casa. Mas há semanas, ele está empilhado no terreno dos LaChances, porque a construção está atrasada há bastante tempo.

As 100 toneladas de revestimento vieram de uma pedreira em Cameron, Oklahoma. Lá, a coproprietária Donna Webb começa a trabalhar antes do amanhecer, junto com os 16 funcionários da Valley Stone que trabalham nos 56 hectares da pedreira.

Donna disse que a área tem pedras o bastante para funcionar por pelo menos dez anos. Mas encontrar mão de obra suficiente – de caminhoneiros a trabalhadores para as minas – tem sido uma tarefa hercúlea. Donna culpa uma queda na imigração, além dos níveis históricos de ajuda financeira do governo durante a pandemia, pela dificuldade em contratar profissionais.

Ela aumentou os salários em pelo menos 20% para conseguir competir com o restante da indústria de construção, mas mesmo assim, ela está constantemente alternando entre manter a equipe no local e levar as pedras para onde precisam ir.

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“Se você as quer, precisa pagar por elas”, disse Donna. “Não somos diferentes de qualquer outra indústria por aí.”

Entre a falta de motoristas para fazer o frete do material e o preço elevado do combustível, suas despesas com transporte subiram cerca de 30%. Ela compra combustível no atacado. Em apenas seis semanas, o valor de 2.500 galões subiu de US$ 7.900 para US$ 10 mil. Os preços de um pallet de arame também subiram 30% em relação ao ano anterior – “Estão valendo mais que um caminhão inteiro de pedra”, disse ela. E não há muito espaço para que ela possa aumentar seus preços. O uso de pedras na construção costuma ser considerado um “extra”, não uma necessidade.

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https://einvestidor.estadao.com.br/noticia/valor-de-imoveis-dispara/