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Lar: doce e adaptado

A especialista em acessibilidade Sílvia Arruda também adaptou o próprio lar para a filha/ Foto: Flávio Santana
Heloísa Pimenta
09-01-2020 - Tempo de leitura: 5 minutos

Adaptar um espaço de circulação de pessoas para receber diferentes perfis e atender necessidades variadas não é uma tarefa simples. Mas acomodar residências, lugar em que as pessoas passam a maior parte do tempo, pode ser ainda mais complexo e exigir mudanças estruturais na planta. Além disso, eletrodomésticos e mesmo a disposição de objetos e a altura das instalações precisam ser repensados circunstancialmente. Essas mudanças foram necessárias no caso da estudante de direito Paula Lima. Aos 25 anos ela mora sozinha, ministra palestras motivacionais e, nas horas vagas, toca violão, anda de bicicleta com os amigos, participa de peças teatrais e joga futebol.

Paula Lima/ Foto: Arquivo pessoal

Paula ainda é idealizadora do projeto Babados da Pequena, em que aborda as dificuldades e limitações que uma pessoa com nanismo enfrenta no dia a dia. “Quando passei a morar sozinha, optei por adaptar minha casa para ter mais conforto e segurança.” Filha de mãe de estatura padrão e pai também com nanismo, Paula tem 1,17 metro de altura e conta que se impacienta quando precisa ficar recorrendo a bancos ou escadas no cotidiano.

“Eu me sinto bem em casa, sabe? Adaptei porque eu tinha muita raiva de ficar pegando o banquinho. É muito estressante. Para a pia, comprei um balcão normal e mandei reduzir o pé, assim como o fogão. O registro do chuveiro e os interruptores também são mais baixos.” As mudanças foram sendo feitas aos poucos, pensando nas necessidades mais urgentes e no planejamento financeiro. “A única coisa que eu não consegui ainda foi um guarda-roupa adaptado. Existe, mas o custo é elevado. O que me irrita hoje é pegar a roupa no cabide. Preciso da escadinha para alcançar. Mas com o resto das coisas é supertranquilo.”

Rotina e organização

Renato Barbato/ Foto: Arquivo pessoal

“Gente, cego não precisa de elevador. Cego pode subir escada!”, lembra Renato Barbato, arquiteto, estudante de jornalismo e deficiente visual. Ele participou de debates e testes de validação para algumas normatizações, entre elas a NBR 9050 e a NBR 16537:2016. “Eu disse que plataformas e elevadores atendem cadeirantes. Cegos precisam de piso tátil. O braile é outra questão. Ele só ajuda quem já nasceu cego e foi alfabetizado assim. A grande maioria dos cegos precisa de sinalizações em relevo.”

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Acometido por um glaucoma desde os 15 anos, Renato perdeu a visão aos 41. Hoje, aos 55, mora sozinho numa casa sem adaptações notáveis, mas com uma rotina para cada objeto, já que não pode contar com a visão para encontrar itens perdidos. “Essas adaptações arquitetônicas são importantes, mas a norma foi pensada muito em função da cadeira de rodas ou muletas.” Seu maior questionamento hoje é sobre os eletrodomésticos. “A televisão, por exemplo. Alguns modelos até contam com sistema de voz, mas precisa de alguém enxergando para acionar. Meu micro-ondas eu consigo usar, porque já conheço. A máquina de lavar, não. A diarista vem a cada 15 dias e lava a roupa.”

Integração dentro e fora de casa

Ao passar por uma experiência pessoal, a arquiteta Sílvia Arruda ampliou sua atividade profissional. Hoje especialista em acessibilidade, Sílvia, que trabalha com expografia acessível, também adaptou o próprio lar para a filha, Raquel Paoliello, agora com 26 anos. “Desde que ela nasceu, a gente sente as dificuldades de toda sorte possível: físicas, atitudinais, comunicacionais, enfim. Naquela época, as pessoas com deficiência ainda estavam muito restritas, ficavam encolhidas dentro de casa. As coisas vêm melhorando com toda a discussão, a politização e o empoderamento.”

Raquel nasceu com paralisia cerebral decorrente de um parto prematuro, aos seis meses de gestação. Ela cursou letras e agora se dedica à segunda faculdade: jornalismo. É blogueira no portal que discute mobilidade urbana sustentável, da organização não governamental Mobilize Brasil, e versa sobre o tema “acessibilidade sobre rodas”. Em sua apresentação, ela declara: “A deficiência nunca foi uma barreira para mim, muito pelo contrário. Ando sempre com um sorriso no rosto e uma imensa vontade de viver”.

Universalidade e cidadania

Para cultivar em Raquel o entusiasmo pela vida, Sílvia cuida dos detalhes para que a filha tenha autonomia dentro de casa. “Eu fiz adaptação no quarto dela, com barras, inclusive na lateral da cama, para ela poder levantar e deitar sozinha. E no banheiro, que é todo adaptado: pia, barras, piso antiderrapante.” Atualmente, além das exposições artísticas, Sílvia também trabalha com adaptação de residências e escritórios para todos os tipos de necessidade. “Não só todos os tipos de pessoa com deficiência, mas todos os tipos de pessoa. É o que eu chamo de acessibilidade cultural. Isto é, as pessoas terem acesso, seja qual for a deficiência ou seja qual for a formação, para que elas possam entender e fruir dos espaços.”

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Elisa Prado/ Foto: Arquivo pessoal

As necessidades com relação à locomoção e mobilidade não são exclusividade de quem tem alguma limitação física congênita ou permanente. As diferentes fases da vida, como envelhecimento, gestação, recuperação de uma cirurgia ou problema de saúde passageiro, podem trazer desafios específicos. Para Elisa Prado, arquiteta e urbanista, ter plantas imobiliárias ajustáveis a diferentes perfis de usuário é um ganho coletivo fundamental e a garantia da acessibilidade prevista na lei. “Vamos ter projetos de melhor qualidade para todo mundo, porque, hoje, se não tenho essa necessidade, no futuro posso vir a ter. Ou pode vir morar comigo um familiar que tenha deficiência ou que passe a usar cadeira de rodas, por exemplo.”

Serviço:

Acompanhe o projeto Babados da Pequena na página: http://www.facebook.com/babadosdapequena/

Para saber mais sobre o trabalho de Raquel Paoliello, acesse: www.mobilize.org.br/blogs/acessibilidadesobre-rodas/