Quando, na segunda metade da década de 1980, o design brasileiro atravessava um período de renascimento, a cidade de São Paulo, como centro difusor de novos produtos e ideias, já ocupava posição de destaque no cenário nacional. Ao contrário da antiga capital federal, o Rio de Janeiro, onde, a partir dos anos 1950, por meio de nomes como Joaquim Tenreiro e Sérgio Rodrigues, ganhou força a ideia de um desenho nacional impulsionado pela arquitetura, pela exuberância da paisagem e pelas madeiras nativas, a cultura do projeto, em terras paulistanas, sempre perseguiu o ideal de uma linguagem própria e universal.
Razões para tanto nunca faltaram. Assim como a metrópole, o design produzido em São Paulo é mestiço e cosmopolita. Não por acaso, foi com olhos voltados para endereços paulistanos que a italiana Lina Bo Bardi, o ucraniano Gregori Warchavchik e o capixaba – e Prêmio Pritzker –, Paulo Mendes da Rocha desenvolveram alguns de seus móveis mais emblemáticos. E que, mesmo quando ainda eram praticamente inexistentes em outras capitais do País, galerias voltadas para o comércio de móveis e objetos assinados, ou pequenos ateliês, onde jovens profissionais produziam e comercializavam suas próprias peças, já não eram tão raras por aqui.
Quatro décadas e uma pandemia depois, eis que tudo mudou. A cidade passou a reunir todos os elementos necessários para ser realmente levada a sério como uma capital global do design. Ganhou shoppings, uma alameda inteira – a Gabriel Monteiro da Silva – e até uma semana consagrada ao tema, a DW! São Paulo, que este ano está programada para outubro. Tornou-se, enfim, conhecida não apenas por servir de vitrine, mas, igualmente, por oferecer um mercado promissor para profissionais de todo o País interessados em se estabelecer por conta própria. Guardadas as proporções, representa hoje para o Brasil e para o próprio Cone Sul, o que Milão representa para a Itália e para o mercado internacional.
“Ao contrário do que possa parecer, abrir a minha loja durante a pandemia foi a melhor decisão que tomei. Minha produção é muito artesanal e, vendendo direto para o consumidor, consegui reduzir os custos. Além disso, durante o período de isolamento, as pessoas se voltaram muito para suas casas e o movimento se manteve aquecido, superando nossas expectativas”, afirma o designer paraibano Sérgio Matos, satisfeito com o desempenho de seu espaço, aberto na alameda Gabriel Monteiro da Silva, em maio passado.
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Distribuídas em duas alas, interna e externa, a loja (@sergiojmatos) apresenta criações de praticamente todas as fases do designer. “Por ser trançado à mão, meu trabalho envolve muita gente e gera curiosidade. As pessoas querem saber de onde cada peça vem, quem e como fez”, conta Matos. “Acredito que atuar em um espaço próprio é uma oportunidade de aproximar ainda mais o meu design não só dos profissionais da área, mas também a todos os interessados.”
A algumas quadras dali, outra recém-chegada, a loja Mula Preta (@mulapreta), também investe na fórmula. Apresentando os dez anos de produção do estúdio de mesmo nome, fundado em 2013, em Natal, pelos potiguares Felipe Bezerra e André Gurgel, foi aberta em novembro do ano passado. Mas, no caso, conta com um projeto arquitetônico exclusivo, pensado em todos os seus detalhes, segundo os designers, para que seus visitantes pudessem captar a essência do desenho da dupla, que envolve altas doses de descontração e bom humor.
“Ainda vivemos em um momento de restrições e o fluxo de visitantes ainda se ressente disso. Mas já dá para sentir como a loja muda nossa relação com os clientes. A interação tem sido muito gratificante. É muito importante para nós, designers, ter um feedback direto de quem usa nossos produtos”, considera Gurgel.
O Baixo Pinheiros, com toda sua diversidade e agitação, foi a região escolhida pelas designers – quase todas paulistas –, Camila Fix, Flavia Pagotti Silva, Amelia Tarozzo e Rejane Carvalho Leite, do estúdio de design Plataforma4, (plataforma4.com), para sediar a primeira loja do coletivo, em São Paulo. “É um bairro vivo, pulsante, que mistura restaurantes, espaços culturais, gente na calçada. Foi exatamente isso que nos atraiu. Levar o design para além do circuito tradicional, tornando-o ainda mais plural”, afirma Camila.
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Aberta em julho deste ano, a loja foi sendo montada de maneira gradual, até ser concluída no início deste mês. “Encontramos uma antiga casa de vila operária, onde abolimos as paredes, introduzimos um pouco de cor, ainda que mantendo as características originais da construção”, explica Flavia. No acervo, mais de 90 peças, entre móveis internos e externos, tapetes, luminárias, vasos e pequenos objetos, que contam um pouco da história do grupo desde sua fundação.
“Após anos de criação conjunta, sentimos que havia chegado o momento de reunir nosso trabalho em um só lugar, para que nossos clientes e os amantes do design em geral pudessem ter acesso a um painel geral da nossa produção. Aqui, podemos apresentar nosso design em sua totalidade, com toda a sua história, conceitos envolvidos, características técnicas. E também podemos refinar nossa sensibilidade para captar os desejos e necessidades do nosso público”, resume a gaúcha Rejane, a única representante não paulista do grupo.
Premiados no Brasil e no exterior, dois outros designers sulistas também resolveram escolher São Paulo para montar suas lojas conceito. Ou, em outras palavras, espaços onde o estilo de cada profissional é apresentado em sua totalidade: dos móveis aos mínimos detalhes da decoração. O primeiro a chegar, o gaúcho Guilherme Wentz, de Caxias do Sul, abriu sua loja no bairro dos Jardins, a Wentz Design (@wentz.design), em agosto de 2019. Poucos meses antes da eclosão da pandemia.
“Pensei em minha loja como um respiro em meio ao caos”, define ele, que concebeu o projeto de interiores a partir de elementos que remetem sutilmente à tropicalidade brasileira e a uma atmosfera suave. Em direta conexão com o minimalismo de suas criações. Móveis, acessórios e luminárias que, partindo de uma perspectiva leve e contemporânea, não pretendem se impor aos ambientes. Mas, ao contrário, procuram fazer deles, nas palavras do designer, extensões contemplativas da natureza.
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