As recentes notícias sobre vendas fraudulentas por incorporadoras de São Paulo e a incompetência e/ou prostração da Prefeitura em fiscalizar as próprias regras não surpreende quem acompanha o setor de perto, mas chama muito a atenção o volume do descalabro.
Segundo investigação do Ministério Público de São Paulo, parte relevante dos 240 mil imóveis que deveriam ser destinados a famílias de baixa renda foram vendidos, na verdade, para pessoas de classe média alta, inclusive muitos investidores de alto poder aquisitivo.
A lei que deu origem a esse cenário foi o Plano Diretor de 2014, que teve lá suas boas intenções, mas subestimou a criatividade do mercado em dar seus “jeitinhos”. Explico: a municipalidade entendeu que fazia sentido dar generosos benefícios para empresas que quisessem construir imóveis para pessoas de baixa renda em bairros nobres.
Valeu-se muito da máxima “adensar onde há transporte público”, em especial estações de trem e metrô. Faz sentido! É aflitivo saber que as pessoas perdem, em média, 2h30 para ir ao trabalho diariamente. Ou seja, nada mais óbvio do que facilitar a construção de imóveis com preço acessível, que proporcionem melhor mobilidade e moradia em bairros melhores.
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Para dar esse “empurrão”, a prefeitura de São Paulo concedeu benefícios à iniciativa privada, em especial quanto à isenção de taxas e impostos. Também se liberou construir mais, em alguns casos. Esse pacote foi realmente um baita empurrão, e a turma começou a se movimentar.
No entanto, como já dito, a criatividade e “jeitinho” não podem nunca ser menosprezados. Ao invés de simplesmente fazer o que deveria ser feito (moradia para pessoas de baixa renda), o que ocorreu foi a venda desenfreada de apartamentos pequenos (os famosos “studios”) para pessoas de renda não tão baixa assim.
“Ora”, pensou o malandro, “já que a lei limita o preço, eu mantenho o preço, mas reduzo o tamanho. E que compre quem quiser comprar”.
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O resultado é o que se vê hoje, studios de 20 m² sendo vendidos por preços bem competitivos e convidativos (lembra dos incentivos?). Tanto ficou descarado o negócio, que a prefeitura teve que dar uma regulada na festa e soltou uma emenda que, na prática, só “regularizou” o que estava irregular.
Já que o rico comprou esse imóvel, pelo menos que ele alugue para o pobre. Novamente, boa intenção houve, mas será que vai colar? Será possível controlar? Temos que lembrar que a criatividade é grande.
Esses dias ouvi uma história dessas de boteco: cliente comprou 5 studios, todos destinados à pessoa de renda baixa. Quando avisado pela incorporadora que teria que alugar para pessoas dentro da categoria “de interesse social”, a resposta foi bem o que se esperava: “o interesse social é o meu”.