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[OPINIÃO] O futuro do mercado imobiliário depende de ecossistemas conectados

"Outros setores já enfrentaram dilemas parecidos e encontraram saídas estruturais"/ Crédito: Gorodenkoff/AdobeStock
Roberto Nascimento
27-10-2025 - Tempo de leitura: 3 minutos

Quem já correu uma maratona sabe que não basta disparar nos primeiros quilômetros. É a estrutura — preparo, ritmo e constância — que garante a chegada. O mercado imobiliário brasileiro está na mesma corrida, mas com a estratégia errada: acelerou a digitalização na largada, mas não construiu a base para sustentar o ritmo.

Estou há mais de 20 anos no mercado imobiliário e posso dizer que pouca coisa mudou na essência do processo. O setor digitalizou o que estava na superfície, mas manteve o mesmo desenho de base. É o mesmo fluxo de duas décadas atrás, agora com login e senha.

À primeira vista, o setor parece moderno. Existem mais de 50 CRMs imobiliários, aplicativos para corretores, plataformas de assinatura digital, automação de follow-up, integração com portais e até inteligência artificial em chatbots. Mas, na prática, cada transação é tratada como um caso inédito, sem aproveitamento de dados, sem aprendizado acumulado e com dezenas de sistemas que não se falam.

O Mapa das Construtechs e Proptechs 2025, produzido pela Terracotta Ventures, mostra que o ecossistema brasileiro chegou a 1.232 startups mapeadas, contra cerca de 500 em 2018. O salto de mais de 150% confirma o apetite por inovação, mas também expõe a fragmentação: são dezenas de soluções que resolvem pedaços da jornada imobiliária, sem interoperabilidade entre si.

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O estudo chama essa fase de “era das colisões”, um momento em que o setor precisa aprender a combinar teses e integrar processos para sustentar crescimento de longo prazo.

No processo de venda de um imóvel, por exemplo, há ferramentas para captar o imóvel e descobrir dados do proprietário, integrar anúncios a portais e redes sociais, distribuir leads em múltiplos canais, validar documentação do imóvel e das partes, simular crédito e checar scoring, gerar contratos e assinaturas digitais, digitalizar documentos, automatizar follow-ups e calcular e repassar comissões.

Cada etapa funciona bem de forma isolada, mas nenhuma conversa com a outra. Corretores e equipes acabam atuando como “pontes humanas” entre sistemas, copiando e colando dados, reenviando documentos e confirmando informações que já estavam no processo.

No mercado de locação, o cenário é ainda mais pulverizado. Captação, vistoria, garantia locatícia, cobrança, repasse, reajuste, inadimplência e renovações costumam operar em sistemas diferentes, ou, na melhor das hipóteses, em planilhas e e-mails. O resultado é um fluxo travado, redundante e cheio de atrito.

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Essa estrutura analógica disfarçada de digital tem consequências claras. Os processos são lentos, o capital gira devagar, o retrabalho consome tempo e margens, e a experiência do cliente se torna imprevisível. Cada transação que atrasa representa dinheiro parado: corretores com comissão incerta, imobiliárias com receita irregular e clientes frustrados. O setor acabou naturalizando essa ineficiência. A lentidão virou parte da cultura, como se o “tempo do imóvel” fosse imutável.

Outros setores já enfrentaram dilemas parecidos e encontraram saídas estruturais. O mercado financeiro, por exemplo, construiu uma base de interoperabilidade que permitiu o surgimento do Pix e do Open Finance, conectando bancos, fintechs e registradoras. O varejo também evoluiu ao criar ecossistemas integrados, com ERPs, gateways e hubs logísticos que permitem escala e previsibilidade. O imobiliário, por outro lado, ainda entende inovação como multiplicar plataformas que não se falam.

A eficiência real virá quando a jornada imobiliária for integrada, contínua, previsível e padronizada. Quando imobiliárias, construtoras, corretores, bancos e cartórios compartilharem dados e integrarem processos. Quando a tecnologia deixar de ser interface e passar a ser infraestrutura.

Isso exige visão de ecossistema, e não apenas automação de tarefas. Exige que startups e incumbentes deixem de atuar como peças soltas e passem a construir um sistema integrado, em que cada transação alimente a próxima.

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A próxima revolução do setor não virá da ponta da venda, mas do meio da jornada: na coordenação e integração entre as partes. Assim como na maratona, não basta correr mais rápido. É preciso ter estrutura para sustentar o ritmo. Eficiência não é estética digital — é base estrutural. Quando isso acontecer, o mercado finalmente correrá no ritmo do capital, e não mais no ritmo do papel.