Crédito: Paulo/AdobeStock
Desde que o Brasil passou a pensar em políticas públicas voltadas à moradia, o desafio do déficit habitacional tem sido um tema constante. No entanto, mesmo com décadas de programas e milhões de moradias entregues, o número de famílias sem acesso à habitação adequada permanece praticamente inalterado.
Para quem vive o dia a dia da construção civil e acompanha de perto as necessidades da população, é impossível ignorar o tamanho dessa urgência social.
O esforço institucional para enfrentar o déficit habitacional começou a ganhar corpo na década de 1960, com a criação do Banco Nacional da Habitação (BNH). Ele financiou a construção de conjuntos habitacionais por meio das Cohabs (Companhias de Habitação), levando moradia popular a várias regiões do país.
Os bairros batizados de “Cohab” se tornaram parte do imaginário urbano brasileiro, abrigando milhões de famílias.
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Nas décadas de 1980 e 1990, com o fim do BNH e a descentralização das políticas habitacionais, o ritmo de produção caiu. Programas estaduais, como o CDHU em São Paulo, e iniciativas pontuais municipais ocuparam parte desse vácuo, mas não conseguiram atender à crescente demanda.
Em 2009, um novo marco foi estabelecido com a criação do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV). Focado principalmente nas famílias de baixa renda, o programa impulsionou a construção civil como nenhum outro havia feito até então.
Estima-se que, entre 2009 e 2023, mais de 8 milhões de moradias tenham sido contratadas por meio do MCMV.
Mesmo com essa produção robusta, os números oficiais mostram que o déficit segue na casa dos 6 milhões de moradias — praticamente o mesmo número registrado quando o MCMV foi lançado. Como explicar essa aparente contradição?
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O que ocorre é que, além das novas famílias que entram no mercado em busca do primeiro imóvel, existe o movimento de busca por melhores condições de moradia. Famílias que antes dividiam cômodos com parentes ou viviam em moradias precárias, passaram a buscar sua casa própria com o avanço da renda e do acesso ao crédito.
O resultado é um déficit que se renova, mesmo diante da produção em larga escala.
A verdade é que habitação popular exige subsídio. E o subsídio exige recursos. Programas como o Minha Casa Minha Vida Faixa 1, que atende famílias com renda de até dois salários-mínimos, só são possíveis com aportes diretos do governo federal — recursos a fundo perdido.
Isso porque nenhum banco ou fundo privado está disposto a financiar clientes com alta inadimplência e baixa margem de pagamento. Para esses casos, é o Estado quem precisa cumprir seu papel social.
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No entanto, o orçamento público é limitado. Em 2024, por exemplo, o Governo Federal destinou cerca de R$ 13 bilhões para contratação de novas unidades na Faixa 1 — um volume importante, mas ainda longe de resolver o problema.
Parte das unidades prometidas no fim de 2023 sequer chegou a ser contratada, por falta de aderência dos preços de referência à realidade regional da construção. Esse descompasso entre a política nacional e custos locais é um obstáculo grave à efetividade do programa.
O grosso do déficit habitacional brasileiro está concentrado entre as famílias que ganham até três salários-mínimos. São elas que mais sofrem com a falta de acesso a financiamento, com o encarecimento do solo urbano e com a burocracia envolvida no desenvolvimento de novos empreendimentos.
Se não houver mecanismos claros para atrair capital privado com incentivos adequados — como juros subsidiados, garantia de pagamento e participação de fundos de impacto social — dificilmente o país conseguirá reduzir esse gargalo.
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Para quem atua no setor, os sinais são claros: o mercado tem apetite, o consumidor tem desejo e há uma demanda reprimida imensa em diversas regiões do país.
Empreendimentos voltados à habitação popular — ou mesmo aos segmentos intermediários, como os financiados via SBPE — esgotam seus estoques rapidamente.
A escassez de moradias não é apenas uma estatística, ela é sentida no cotidiano, na velocidade com que os lançamentos são absorvidos e na urgência de quem bate à porta em busca do primeiro lar.
O Brasil não precisa reinventar a roda, mas sim modernizar os mecanismos que viabilizem o acesso à moradia. Mais que programas pontuais, é preciso um pacto nacional — com governos, setor privado e sociedade civil — que garanta escala, previsibilidade e justiça social.
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A habitação é um direito constitucional, mas também é um pilar de desenvolvimento econômico, saúde pública e dignidade. Se queremos de fato construir um país mais justo, precisamos colocar a moradia no centro da agenda. E precisamos começar ontem.